Os ciclos políticos


Esta é uma semana curiosa. Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Passos Coelho e António Costa: todas estas figuras centrais da vida política nacional estão unidas no fecho e abertura de novos ciclos políticos dos quais dependerá o futuro imediato do país


Começo por Aníbal Cavaco Silva. Qualquer que seja a perspetiva, um ator político indispensável na história democrática portuguesa. Com 30 anos de vida pública ao mais alto nível, é a Aníbal Cavaco Silva que têm de ser creditadas inúmeras conquistas do país. Em traços largos: enquanto primeiro-ministro, foi ele o grande obreiro do único processo de convergência real de Portugal com a Europa; já no fato de Presidente da República, devemos-lhe um esforço colossal, e tantas vezes isolado, de normalização da vida nacional. Numa sociedade que se habituou a conviver com a anormalidade, que procura, inquieta, a realização pessoal e coletiva nas coisas excecionais, e que caiu, mais do que uma vez, na ilusão do progresso ilimitado, a “normalidade” tantas vezes defendida por Cavaco Silva parece um objetivo pouco sofisticado. A verdade, como bem intuiu Francisco Sá Carneiro, é que há um programa político monumental no desígnio da normalidade: a normalidade económica e financeira (e tantas vezes Cavaco alertou para o abismo despesista, que tão graves consequências teve sobre o povo), a normalidade política (e tantas, tantas vezes apelou Cavaco aos compromissos de regime entre partidos) e a normalidade institucional (que Cavaco defendeu como uma barreira intransponível). Como na segunda-feira tive oportunidade de sublinhar, na cerimónia de atribuição do grau de Cidadão Honorário de Cascais ao Presidente da República, o futuro encarregar-se-á de definir o seu lugar na história. Mas há duas coisas que ninguém lhe pode negar. Primeiro: é o político com maior legitimidade em Portugal, de longe o mais votado de sempre. Segundo: conformou a Presidência a uma noção superior de interesse nacional. Com Cavaco Presidente, não houve forças de bloqueio em Belém. Não houve bombas atómicas constitucionais. Houve normalidade. Previsibilidade. Estabilidade.

Valores a que Marcelo Rebelo de Sousa dará total continuidade, mas isso não retira novidade ao ciclo por ele inaugurado. Apesar da sua ligação afetiva ao PSD, Portugal tem um Presidente eleito que conquistou nas urnas um grau de independência nunca visto. O que faz dele a pessoa certa, no lugar certo, no tempo certo. No dia em que inicia as funções para as quais sempre se preparou (e é efetivamente o mais bem preparado para tal empreitada), desejo que Marcelo Rebelo de Sousa se cumpra. Porque assim também se cumprirá Portugal.

Quem também fechou um ciclo foi Pedro Passos Coelho. Com as eleições diretas para a liderança do PSD, completou definitivamente o ciclo da governação que marcou o ritmo do partido nos últimos quatro anos. A vitória esmagadora de Passos Coelho é uma expressão de crença, nas capacidades do líder do partido, de confiança, na validade das suas opções políticas do passado, e de esperança, no seu projeto político para o médio prazo. Esse projeto implica um realinhamento do PSD. Que não é de princípios, cuja solidez tem sido amplamente demonstrada pela realidade; nem de propostas que, hoje como ontem, continuam marcadas pela matriz social-democrata; é um realinhamento de estratégia e postura política. Fazer política no governo é uma coisa. Na oposição é outra. Ainda que as duas devam sempre coincidir com o superior interesse do país.

Por último, António Costa. O fecho dos ciclos anteriores implicará a pacificação institucional. Com o modo eleitoral em off, acabaram-se as sombras mediáticas sobre a governação socialista. O Orçamento do Estado – pelo menos até à próxima disputa com Bruxelas, que não parece estar longe – está arrumado. Todos os portugueses, apoiantes ou não desta solução governativa, exigem que o governo governe. Que cumpra o que prometeu. Que “vire a página da austeridade” ao mesmo tempo que põe “o país a crescer”, calibra as contas públicas e reforça a nossa presença europeia. A não ser que os seus parceiros de coligação se dediquem à fabricação de factos políticos, cortinas de fumo que desviem as atenções dos fracassos que o governo vai colecionando, António Costa está por sua conta. Mas isso já são outros ciclos e há sempre quem dê a devida nota deles.

Aos quatro protagonistas, faço votos das maiores felicidades pessoais e políticas.


Os ciclos políticos


Esta é uma semana curiosa. Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Passos Coelho e António Costa: todas estas figuras centrais da vida política nacional estão unidas no fecho e abertura de novos ciclos políticos dos quais dependerá o futuro imediato do país


Começo por Aníbal Cavaco Silva. Qualquer que seja a perspetiva, um ator político indispensável na história democrática portuguesa. Com 30 anos de vida pública ao mais alto nível, é a Aníbal Cavaco Silva que têm de ser creditadas inúmeras conquistas do país. Em traços largos: enquanto primeiro-ministro, foi ele o grande obreiro do único processo de convergência real de Portugal com a Europa; já no fato de Presidente da República, devemos-lhe um esforço colossal, e tantas vezes isolado, de normalização da vida nacional. Numa sociedade que se habituou a conviver com a anormalidade, que procura, inquieta, a realização pessoal e coletiva nas coisas excecionais, e que caiu, mais do que uma vez, na ilusão do progresso ilimitado, a “normalidade” tantas vezes defendida por Cavaco Silva parece um objetivo pouco sofisticado. A verdade, como bem intuiu Francisco Sá Carneiro, é que há um programa político monumental no desígnio da normalidade: a normalidade económica e financeira (e tantas vezes Cavaco alertou para o abismo despesista, que tão graves consequências teve sobre o povo), a normalidade política (e tantas, tantas vezes apelou Cavaco aos compromissos de regime entre partidos) e a normalidade institucional (que Cavaco defendeu como uma barreira intransponível). Como na segunda-feira tive oportunidade de sublinhar, na cerimónia de atribuição do grau de Cidadão Honorário de Cascais ao Presidente da República, o futuro encarregar-se-á de definir o seu lugar na história. Mas há duas coisas que ninguém lhe pode negar. Primeiro: é o político com maior legitimidade em Portugal, de longe o mais votado de sempre. Segundo: conformou a Presidência a uma noção superior de interesse nacional. Com Cavaco Presidente, não houve forças de bloqueio em Belém. Não houve bombas atómicas constitucionais. Houve normalidade. Previsibilidade. Estabilidade.

Valores a que Marcelo Rebelo de Sousa dará total continuidade, mas isso não retira novidade ao ciclo por ele inaugurado. Apesar da sua ligação afetiva ao PSD, Portugal tem um Presidente eleito que conquistou nas urnas um grau de independência nunca visto. O que faz dele a pessoa certa, no lugar certo, no tempo certo. No dia em que inicia as funções para as quais sempre se preparou (e é efetivamente o mais bem preparado para tal empreitada), desejo que Marcelo Rebelo de Sousa se cumpra. Porque assim também se cumprirá Portugal.

Quem também fechou um ciclo foi Pedro Passos Coelho. Com as eleições diretas para a liderança do PSD, completou definitivamente o ciclo da governação que marcou o ritmo do partido nos últimos quatro anos. A vitória esmagadora de Passos Coelho é uma expressão de crença, nas capacidades do líder do partido, de confiança, na validade das suas opções políticas do passado, e de esperança, no seu projeto político para o médio prazo. Esse projeto implica um realinhamento do PSD. Que não é de princípios, cuja solidez tem sido amplamente demonstrada pela realidade; nem de propostas que, hoje como ontem, continuam marcadas pela matriz social-democrata; é um realinhamento de estratégia e postura política. Fazer política no governo é uma coisa. Na oposição é outra. Ainda que as duas devam sempre coincidir com o superior interesse do país.

Por último, António Costa. O fecho dos ciclos anteriores implicará a pacificação institucional. Com o modo eleitoral em off, acabaram-se as sombras mediáticas sobre a governação socialista. O Orçamento do Estado – pelo menos até à próxima disputa com Bruxelas, que não parece estar longe – está arrumado. Todos os portugueses, apoiantes ou não desta solução governativa, exigem que o governo governe. Que cumpra o que prometeu. Que “vire a página da austeridade” ao mesmo tempo que põe “o país a crescer”, calibra as contas públicas e reforça a nossa presença europeia. A não ser que os seus parceiros de coligação se dediquem à fabricação de factos políticos, cortinas de fumo que desviem as atenções dos fracassos que o governo vai colecionando, António Costa está por sua conta. Mas isso já são outros ciclos e há sempre quem dê a devida nota deles.

Aos quatro protagonistas, faço votos das maiores felicidades pessoais e políticas.