O chamado Período Revolucionário em Curso (PREC) provocou imensas fraturas na sociedade portuguesa, com a extrema-esquerda política e militar, a esquerda democrática e a social-democracia a taparem o caminho à direita, democrática ou não. O exemplo mais flagrante foi a fundação do CDS, que os militares exigiram que adotasse políticas centristas. Apesar desta forte pressão, a direita não desistiu e avançou para a luta através de vários instrumentos, nomeadamente a comunicação social. É assim que nascem o semanário “Tempo” em 29 de maio de 1975, o diário “O Dia” em 11 de dezembro de 1975, o semanário “O País” em 9 de janeiro de 1976 e, finalmente, o semanário “O Diabo” em 10 de fevereiro de 1976, que hoje comemora 40 anos de existência. E se os outros jornais sobreviveram à revolução e à esquerda, o jornal fundado e dirigido por Vera Lagoa, melhor, Maria Armanda Falcão, foi alvo imediato das forças militares e políticas de extrema-esquerda e esquerda. Tanto assim foi que no dia 18 de fevereiro de 1976, com dois números publicados, o Conselho da Revolução suspendeu o jornal por “ofensas ao 25 de Abril e às Forças Armadas”.
Mas Maria Armanda Falcão, a mulher antifascista, secretária de Humberto Delgado em 1958, não se calou. Continuou a sua luta até morrer em 1996, com 79 anos. Ninguém a calou, nos jornais e na rua. Sim, na rua, muito tempo antes de alguém se lembrar do feriado do 1.o de dezembro. Vera Lagoa organizava todos os anos uma manifestação na Avenida da Liberdade e era, obviamente, atacada por toda a esquerda por ser uma patriota que insistia em lembrar o Dia da Restauração, o 1.o de dezembro de 1640. A de 1977, por exemplo, juntou 150 mil pessoas em Lisboa, algo impensável num país em que só a esquerda vinha para a rua manifestar-se.
Mas voltando aos jornais de direita, Vera Lagoa colaborou na fundação do “Tempo” de Nuno Rocha, ainda esteve com Vacondeus em “O País”, mas decidiu lançar “O Diabo” para não ter amarras ou censuras mais ou menos veladas em jornais que, sendo de direita, temiam as represálias do poder militar e das forças de esquerda.
Vera Lagoa nunca teve papas na língua e nunca teve medo. Participou nas lutas contra o Estado Novo, escreveu crónicas sociais temidas pela elite nacional no “Diário Popular” antes do 25 de Abril e nunca se escondeu para atacar Mário Soares e a descolonização, Eanes e os seus militares do Conselho da Revolução, Américo Amorim e os seus negócios de cortiça com os comunistas que tinham ocupado as herdades no Alentejo.
Mulher frontal, conseguiu, contra ventos, marés e muitos julgamentos, levar a água ao seu moinho e manter o seu jornal nas ruas todas as semanas. Um feito notável numa sociedade que a temia e, mais ainda, criticava quem ousasse estar ao lado da jornalista.
As pressões económicas ao longo dos anos foram mais do que muitas. Numa economia dominada por empresas públicas e por empresas dependentes do Estado, fazer publicidade no jornal de Vera Lagoa era um risco que ninguém estava disposto a correr. Mas para os que lhe davam palmadinhas nas costas às escondidas e fingiam não a conhecer em público, Vera Lagoa tinha sempre as páginas do seu semanário para os zurzir sem dó nem piedade.
Verdade se diga que homens e mulheres de esquerda a elogiavam e apoiavam. Grande amiga de Natália Correia, Vera Lagoa, a Maria Armanda Falcão, dá o seu nome a uma rua de Lisboa.
Há uns anos, em 2009, o semanário fez uma entrevista a João Soares, atual ministro da Cultura, que decidiu dar-lhe o nome de uma rua de Lisboa quando era presidente da Câmara. O diálogo mostra até que ponto não foi fácil levar a cabo tal decisão.
O Diabo – Enquanto autarca, deu o nome da fundadora deste jornal, Vera Lagoa, a uma rua de Lisboa. Foi criticado por ceder, dizia-se, a uma mulher que combatia a esquerda e o PS. Compreendeu essas críticas? Porque decidiu homenagear Vera Lagoa?
João Soares – Vera Lagoa, Maria Armanda Pires Falcão, foi uma grande figura de Lisboa. Uma mulher, lindíssima, que tive o privilégio de conhecer ainda jovem. Era uma mulher de grande audácia e coragem, duma grande “linhagem” republicana. A homenagem que lhe foi feita era inteiramente justa. Só não terão gostado disso os medíocres ou ignorantes…
Medíocres e ignorantes que a combateram durante a vida e a ignoraram depois da morte, em 1996, vítima de uma ataque cardíaco. Mas “O Diabo” continua fiel à sua fundadora e mantém a sua cruzada política de extrema-direita. Na edição de 19 de janeiro deste ano, a última antes das presidenciais, a manchete era bem sintomática de uma linha editorial que mantém bem viva a matriz da sua fundadora: “Contra as esquerdas, que nem um só voto se perca.”