Tem apenas 25 anos, mas o tenente Couto (o nome é fictício, por questões de segurança), da GNR de Évora, já pode acrescentar ao ainda brevíssimo currículo a coordenação da Virgin Express, a operação da Unidade de Ação Fiscal (UAF) que culminou numa apreensão sem precedentes na Europa: 182 toneladas de tabaco ilegal e mais de meio milhão de euros em dinheiro, além de 12 arguidos constituídos. O produto apreendido correspondia a 30 milhões de euros em impostos, um valor que, de outra forma, o Estado nunca poderia reclamar – mais do que os 22 milhões de euros que o Ministério Público acredita que o antigo primeiro-ministro José Sócrates terá recebido para abrir portas a negócios do grupo Lena.
Terça-feira, 26 de janeiro, e, de norte a sul do país, os homens da UAF estão no terreno. A ação é coordenada ao pormenor. Pela primeira vez depois de quase um ano de investigação silenciosa, a GNR prepara-se para deter 11 portugueses e um cidadão chinês. Pelo meio, há 41 mandados de busca para fazer cumprir. No final, os resultados da operação impressionam o comandante da unidade. “A conceção que qualquer pessoa tivesse do nível de contrabando destes produtos em Portugal foi amplamente superada”, assume o coronel Casaca Pronto. Aos comandos da investigação, um jovem oficial da GNR de Évora. “Um jovem com muito talento”, admite o comandante.
Há uma semana, quando a missão acabou, Casaca Pronto ligou para Évora. Queria falar com o coordenador da operação e dar-lhe os parabéns. “Fez um trabalho fantástico”, assume o responsável da UAF. O processo caiu nas mãos do tenente Couto quando, na unidade, ainda se estava longe de imaginar as proporções que o caso tomaria. Na UAF desde 2013, o jovem oficial tinha acompanhado um processo anterior que acabou por dar origem à Virgin Express (o nome aproveita a marca do tabaco que estava a ser introduzido ilegalmente no mercado). A Autoridade Tributária e Aduaneira tinha também informações sobre alguns dos suspeitos e, juntando as peças, a equipa começou a desbravar caminho.
passar o testemunho Agora é tempo de serenar os ânimos e continuar a investigação, que vai entrar numa “fase necessariamente diferente”. Será difícil que os militares voltem a deparar-se com quantidades de material nas mesmas proporções, até porque ações como a da semana passada “representam um rombo muito considerável” para quem se dedica ao contrabando. Mas os 12 elementos identificados na semana passada serão apenas uma parte da rede de contrabando de tabaco.
Na equipa, sob coordenação do jovem tenente estavam em permanência outros três elementos, “alguns com idade para serem pais dele”. Quando era preciso – como aconteceu na semana passada -, toda a unidade mobilizava esforços para garantir o sucesso da operação. E o resultado mostra que a coordenação resultou e esse é um dado que Casaca Pronto considera fundamental: a prova de que o testemunho está a ser passado de uma geração para outra. Há quatro anos, quando muitos militares começaram a sair da unidade, o comandante não tinha tanta certeza de que isso seria possível. “Nessa altura, estava preocupadíssimo com o facto de estar a perder o know-how que vinha da Brigada Fiscal e até da Guarda Fiscal”, que deram lugar à atual UAF.
Foram os próprios elementos, conta o comandante, a dar o contributo mais importante para que o conhecimento não se perdesse nessa renovação geracional. “Houve um trabalho excecional de toda a unidade. Todos os elementos se dedicaram ao seu trabalho e também a aculturar os elementos mais novos. Agarraram a missão com rigor e capacidade excecional e conseguimos dar a volta por cima”, defende.
a guarda dos números A UAF tem neste momento em curso 42 processos considerados de especial complexidade. É por ali que passam as investigações tributárias, aduaneiras e fiscais.
São 370 elementos dedicados ao controlo do contrabando (sobretudo de tabaco e álcool) e dos negócios à margem da lei neste âmbito, além de desempenharem funções de fiscalização que acabam por estar ligadas aos processos em curso. “Nada acontece por acaso”, resume o coronel Casaca Pronto, ao recordar um dos maiores processos coordenados na unidade, que nasceu de um auto de notícia levantado numa ação de fiscalização.
O trabalho feito nos cinco destacamentos está ligado a matérias fiscais, vive dos números e, por isso, é “muito diferente” das funções habitualmente desempenhadas pelos militares da GNR. Mas essa realidade não tem significado uma menor procura interna por um lugar na unidade de Casaca Pronto. “Ao nível dos oficiais, sargentos e guardas, não temos tido qualquer dificuldade de recrutamento”, garante Casaca Pronto. No último curso fiscal – a formação-base para a entrada na unidade – houve mais de 100 candidatos para as 30 vagas disponíveis. “Estamos a conseguir atrair pessoas com um nível académico e intelectual bastante interessante”, garante o comandante da unidade.
Além desse curso, feito desde 2012, há uma formação em investigação criminal que todos os militares da GNR neste área frequentam, e está em preparação um curso de investigação tributária, ainda sem data anunciada para ser lançado. “O objetivo imediato é ir buscar os militares mais jovens e integrá-los na fiscalização para, mais tarde, passá-los para a investigação criminal, caso revelem aptidão para isso”, revela o comandante. Mas não há separação de águas.
“Nas maiores operações, todos os elementos participam”, diz o comandante. Neste momento são 370. Até ao final do ano deverão chegar aos 400 e, “a médio prazo”, a unidade poderá chegar aos 500 elementos. “Com menos gente, somos mais eficientes e, em algumas matérias, somos mais eficazes do que éramos na Brigada Fiscal”, refere o comandante.