“Em 2015 começámos a piorar e toda a evidência mostrava que estávamos a piorar”

“Em 2015 começámos a piorar e toda a evidência mostrava que estávamos a piorar”


Os alunos portugueses estão cada vez pior em Matemática. A queda começou em 2015 e representa a perda de dois anos de escolaridade para os alunos do 8.º ano. A pandemia só veio agravar políticas erradas, diz João Marôco.


Os resultados do estudo TIMSS 2023 são a confirmação de uma queda anunciada?  

Os resultados indicam uma pioria contínua que já tínhamos começado a observar em 2015. No TIMSS de 2019, os alunos passaram de 541 para 525 pontos, uma queda de 16 pontos altamente significativa, era indicador do que aí vinha. Tivemos o PIRLS em 2021 e mais uma vez pioria dos resultados de leitura. Na altura, o ministro ainda tentou compor o ramalhete e dizer que o problema era do teste ter sido feito em formato digital. O que não é verdade: era um problema de literacia leitora. Agora temos o TIMSS de 2023, 4.º e 8.º ano, e mais uma vez a pioria dos resultados manteve-se e confirma-se.

Pela primeira vez consegue-se comparar os resultados do 8.º ano, de 2019 com 2023, já que é a segunda vez consecutiva em que Portugal participa, ao contrário do 4.º que é a quarta vez. Que análise se pode fazer?                        
Os resultados do 8.º ano são mais graves. E devemos olhar de uma perspetiva que ainda ninguém fez. Do ciclo anterior para este tivemos uma queda de 25 pontos que é equivalente à perda de um ano de escolaridade. Nas três de dimensões cognitivas avaliadas – conhecer, aplicar e raciocinar – há uma regressão muito séria. Estes alunos foram avaliados em 2019 no 4.º ano e quatro anos depois, vimos que descem mais ainda proporcionalmente.

Portanto, é um efeito cumulativo?

A perda de aprendizagem é cumulativa e agrava-se à medida que os alunos vão progredindo no seu percurso académico.

Há quem argumente que esta é a tendência do mundo ocidental.

Essa desculpa não me satisfaz, é como dizer que estamos a ir ao fundo mas não faz mal porque os outros também estão. Esta narrativa está errada porque até 2015 Portugal estava em contraciclo com os seus congéneres. Era a único país da OCDE que tinha registado uma melhoria contínua, de 2000 a 2015 esteve sempre a subir e até acima da Finlândia. É a partir de 2015 que começamos a piorar e toda a evidência dizia que estávamos a piorar. A justificação que se deu é que era o efeito da pandemia, mas no TIMSS de 2019 não havia pandemia e passámos de 541 para 525. Mais uma vez uma perda de um ano de escolaridade em quatro. Se somarmos com mais esta descida, estes alunos relativamente aos seus congéneres de 2015 estão quase dois anos atrasados.

Estes alunos são recuperáveis?

Acho que não. O que observamos com esta evolução é que a perda da aprendizagem agravou-se. Por exemplo, em 2019, 5% dos alunos não tinha atingido o nível base de competências e agora são 19%. Quase quadruplicou. Isto é muito grave: o nível base de competências é um aluno não conseguir analisar um gráfico simples ou não conseguir ler uma tabela. Ou seja, um em cada cinco alunos do 8.º ano não tem competências mínimas básicas de Matemática. À medida que os alunos vão avançando, em vez de se esbaterem as disparidades, elas vão aumentando. Estes alunos não são recuperáveis porque os dados dizem isso mesmo. E quando eles chegarem ao 12.º ano ainda vão estar mais atrasados do que os colegas que estavam no 12.º há quatro anos atrás.

Outro dado que estes estudos revelam é uma grande diferença dos resultados entre alunos com condições socioeconómicas mais baixas e mais elevadas.

Esse dado é muito bem conhecido em todos os estudos internacionais. As crianças que vêm de famílias com maior estatuto socioeconómico têm geralmente melhores resultados do que as crianças que vêm de um estatuto mais baixo. E aqui a diferença é muito grave. Neste último estudo, essa diferença é de 100 pontos. O que representa uma diferença de quatro anos de escolaridade.

O que isso diz sobre o nosso sistema educativo?

Os recursos facilitadores de aprendizagem, ou seja, o número de livros que o aluno tem em casa, a escolaridade dos pais, se tem um quarto privado para estudar, computador, acesso à internet ou se frequenta atividades culturais, são, ao nível das famílias, o melhor preditor do desempenho dos alunos. Portanto, alunos com mais recursos, têm melhores resultados. A questão é saber por que é que a escola não consegue esbater estas disparidades, por que é que os alunos precisam desses recursos facilitadores de aprendizagens em casa, quando o motor principal da aprendizagem deve estar na escola, não na família. Em Portugal, um dos principais determinantes da aprendizagem dos alunos são os recursos das famílias. É assim em quase todo o mundo Ocidental. Mas vale a pena enfatizar isto: até 2015, Portugal estava em contraciclo com o mundo ocidental, também neste indicador. Em 1995 estávamos no fim da tabela e 20 anos depois estávamos acima da média internacional e éramos um exemplo para os outros países, estivemos até acima da Finlândia.

E quanto à diferença dos resultados entre alunos do ensino privado e público?

Em 2016 analisei o que aconteceria ao desempenho dos alunos se corrigíssemos os tais recursos facilitadores. Ou seja, se os alunos que andam na escola pública tivessem os mesmos recursos como seria o seu desempenho comparativamente aos alunos das privadas. E o que acontece é que as diferenças desaparecem. O que explica a diferença entre o público e o privado é a qualidade de matéria prima: alunos com mais recursos facilitadores, pais mais escolarizados e pais que valorizam mais a educação dos seus filhos.

Outro indicador que este estudo revela é a importância do pré-escolar.

O que diz a investigação é que alunos que têm até três anos de educação pré-escolar, quando chegam ao quarto ano, estão um ano à frente das crianças que só tiveram um ano de educação pré-escolar ou não tiveram de todo. Quando chegamos aos 15 anos esse diferencial é de três anos._

Esta queda dos resultados deve-se a quê?

Entre 2000 e 2015, independentemente do ciclo político, houve sempre um consenso alargado nas políticas educativas que passavam por três eixos: currículo baseado em conhecimentos, prestação de contas, provas de final de ciclo com consequências para os alunos e, por consequência, com implicações para os professores e para as escolas, e formação das professores. Para além de reforço dos currículos de Português e Matemática e do apoio ao estudo e as metas curriculares. Tudo isso acabou a partir de 2016.

Essa reforma foi por razões ideológicas?

Só pode ter sido por uma questão ideológica, porque todas as evidências que temos sobre o que funciona e não funciona em termos de melhoria de sistemas educativos, apontavam que estas alterações às políticas educativas levam à pioria dos resultados.

No entanto, na altura na primeira queda em 2019, João Costa, então secretário de Estado, dizia que a responsabilidade era das políticas de Nuno Crato.

O professor João Costa, que é linguista, atribui sempre os maus resultados a outros. Ele achava que os currículos estavam sobrecarregados e que as crianças tinham que estudar muita coisa e depois aprendiam nada. O mesmo com os exames, que dizia que as crianças ficam muito ansiosas e não conseguem revelar o seu potencial. Eu dizia que não é bem isso que a psicologia diz… Estou curioso para saber o que então secretário de Estado vai agora dizer.

A pandemia é uma das causas?

Metade é devido à pandemia e a outra metade não. Em Matemática, de 2015 para 2018, ainda nos aguentámos, mas se fomos olhar para a Leitura e Ciências já tínhamos começado a decrescer. A taxa de decrescimento depois da pandemia duplicou o decréscimo. Portanto, a pandemia veio agravar ainda mais as políticas educativas erradas.

E a recuperação das aprendizagens.

Não houve recuperação de aprendizagem, antes pelo contrário, os alunos continuaram a ficar para trás, a ter as dificuldades que já tinham e essas dificuldades agravaram-se ainda mais.

O que acha que se tem que fazer?

Fazer aquilo que fizemos em 2002 e 2015: estabelecer um consenso de longo prazo, reforço dos currículos baseados em conteúdos, foco importante no Português, Matemática e Ciências, apoio ao estudo dessas áreas, prestação de contas válidas e fiáveis e apostar na formação dos professores.

Acredita que este Governo vá fazer tudo isso?

A haver mudanças, elas não estão a acontecer ao ritmo que era necessário. Também é preciso ter muita coragem política, mas devia mexer-se já nos currículos.