Esta notícia só parece agradar a dois grupos de pessoas: aos moradores que há muito lutam por estar em casa sem que a música dos bares lhes entre pela janela e aos pais que começam a ver os filhos pedir para se aventurarem nas primeiras saídas à noite. Neste último caso, podem usar o truque da analogia com a história da Cinderela – com umas All Star rotas a fazer o papel de sapato de cristal, provavelmente –, até porque o toque de recolher da noite de Lisboa está a aproximar-se do que era apregoado no filme da Disney.
Existem atualmente 25 bares no eixo Bairro Alto-Cais do Sodré obrigados a fechar à meia-noite durante a semana e às 2h ao fim de semana. O mapa ao lado ajuda a identificar os locais com precisão, mas deixamos já aqui um resumo das ruas mais afetadas pelas novas regras: Rua da Atalaia, da Barroca, do Diário de Notícias, da Rosa e Luz Soriano (Bairro Alto), Rua dos Remolares, da Ribeira Nova e Nova do Carvalho, conhecida como rua cor-de-rosa, bem como na Praça de São Paulo (Cais do Sodré).
Apesar de todos os estabelecimentos se situarem nas zonas tidas como passagem obrigatória da noite lisboeta, a escolha não foi feita ao acaso. Os 25 bares foram selecionados depois de uma série de fiscalizações e da apreciação das reclamações feitas por moradores e juntas de freguesia relativas à degradação ambiental e consequente falta de tranquilidade para quem vive nos locais. O despacho entregue a semana passada aos moradores, e a que o i teve acesso, obrigou a uma adoção imediata dos novos horários. Gonçalo Riscado, da Associação Cais do Sodré e dono do MusicBox e do restaurante/bar Povo – os dois fora desta lista –, garante que a maioria dos comerciantes foram apanhados de surpresa. Habituado a estar no meio da luta entre comerciantes e moradores, Gonçalo prefere adotar uma posição neutra. “ Se, por um lado, os bares têm de ser responsabilizados caso quebrem as regras, por outro, os moradores têm de ter noção que vivem numa zona de diversão noturna”, refere, em declarações ao i.
Regras quebradas Segundo o documento, as queixas apresentadas referem–se a “ruído provocado pelos estabelecimentos, dentro e para além do horário estipulado”, assim como o ruído feito pelas pessoas que se “aglomeram na via pública a beber e conversar junto a estes estabelecimentos”. Além disso, já foram identificadas noites em que a música ultrapassava os níveis autorizados, assim como espetáculos de música ao vivo em estabelecimentos sem autorização para tal.
Assim, e até estar concluído o processo de fiscalização aos bares – que a câmara espera não ultrapasse os seis meses –, os 25 bares identificados estão obrigados a fechar à meia-noite, com exceção de sexta, sábado e vésperas de feriado, dias com horário alargado até às 2h. E, desses, aqueles que têm esplanada têm de a encerrar uma hora antes do fecho do estabelecimento.
Noite fecha mais cedo Se Lisboa se orgulhava das noites que duravam até de manhã, está agora a aproximar-se a passos largos dos horários típicos de uma Europa mais a norte.
Ao longo dos últimos anos, as restrições têm vindo a aumentar, com o Bairro Alto a servir de exemplo. Desde 2008 que nessa zona de Lisboa os bares têm ordem de fecho marcada para as duas da manhã. O facto de a noite acabar mais cedo aí “empurrou” os lisboetas para a Bica, Santos e Cais do Sodré, que apenas tiveram mais uns anos de regime de horário alargado. Desde o final de 2014 que os bares dessas três zonas têm de encerrar às 2 horas, quando antes tinham permissão para fechar às 4 horas. Ao fim de semana e em vésperas de feriado, o horário é até às 3 horas. Nesta leva de restrições não escaparam as lojas de conveniência, a alternativa para quem procurava bebida mais barata mas que, por outro lado, fazia permanecer mais pessoas nas ruas a fazer o chamado botellón, uma das principais queixas dos moradores. Nestes estabelecimentos, as portas fecham às dez da noite, quando anteriormente tinham autorização para estar abertos até às duas.