O Presidente da República eleito nunca disse ao seu biógrafo se gostou ou não do livro. “Não sei. Nunca percebi. Suponho que não tenha ficado efusivo com o resultado final”, diz Vítor Matos ao i. Em 2012, o ano em o livro foi publicado, encontraram-se duas vezes e só trocaram “palavras de circunstância”: “Percebi que não queria falar sobre a biografia”.
O homem que passou cinco anos a falar com Marcelo, a ler o que Marcelo escreveu, a entrevistar amigos de Marcelo, acha que Marcelo Presidente “não vai ser um monge fechado em São Bento, inatingível, como Cavaco, não vai ser formal e chato como Sampaio, não vai ser altivo como Soares, não vai ser sisudo e distante como Eanes”.
Mas Vítor Matos acredita que por muito que Marcelo se divirta – e que na Presidência seja possível esperar algumas cenas como as que vimos na campanha, com o candidato a pentear uma cabeleireira – o Presidente eleito é “muito institucional”.
“Marcelo vai divertir-se na Presidência. Ele diverte-se com tudo. Mas acho que as pessoas em geral desvalorizam uma coisa em Marcelo, porque não o conhecem. Ele é muito institucional! É evidente que quer consensos e quer que as coisas corram bem”, diz Vítor Matos.
O autor da biografia de Marcelo recorda como, durante o governo minoritário de Guterres, o então líder do PSD “nunca deitou o governo abaixo” mesmo tendo “todo o partido contra ele, incluindo Cavaco Silva”.
“A atitude pública dele pode ser heterodoxa, mas ele irá tentar não criar problemas. E a esquerda que não pense que ele vai fazer o jogo da direita. Ele não será a razão da existência de problemas”, diz Vítor Matos.
O jornalista afirma que “é um erro total pensar que Marcelo foi um líder do PSD fracassado.”. “Foi o único líder da oposição que levou a água ao seu moinho. Só não foi a eleições. Conseguiu enredar Guterres e venceu os referendos do aborto e da regionalização”. E tudo sem deitar abaixo o governo minoritário do PS, em nome do consenso para a entrada no euro.
Na introdução ao livro, Vítor Matos descreve as suas sessões com Marcelo para a produção da biografia. “Marcelo Rebelo de Sousa abriu-me sempre a porta da sua casa arrendada na Rua Conde Ferreira, em Cascais – onde vive desde 1975. Entre 2008 e 2012 encontrámo-nos umas duas dezenas de vezes para gravar mais de 70 horas de entrevistas para este livro (…) As sessões iniciavam-se pelas 21h30 ou 22h e acabavam entre a uma e as quatro da manhã. Marcelo debitava horas de informação sem parar, com um papelinho na mão onde rascunhara, de forma confusa, os factos sobre os anos de que estávamos a falar”.
No primeiro dia em que se encontraram, Marcelo perguntou a Vítor Matos se a biografia seria autorizada e ele poderia ler o texto final. O jornalista respondeu que não. “Marcelo Rebelo de Sousa concordou e foi leal até ao fim. Nunca me perguntou o que eu estava a escrever”.
Para Vítor Matos, Marcelo “tem uma visão lúdica da existência difícil de igualar. Ele diverte-se e diverte-nos. Os seus pares políticos acham que conspira. Também conspira”. Na altura em que a biografia foi escrita, Marcelo tinha apenas “o poder da palavra” e não “qualquer poder formal”. “O povo gosta porque Marcelo entretém”, concluía Matos.