Biógrafo. ‘Marcelo não será um monge como Cavaco, um chato como Sampaio ou altivo como Soares’

Biógrafo. ‘Marcelo não será um monge como Cavaco, um chato como Sampaio ou altivo como Soares’


Vítor Matos, 42 anos, jornalista da “Sábado”, é provavelmente o maior especialista em “marcelogia” do país. Passou quase cinco anos a fazer a biografia de Marcelo Rebelo de Sousa, aquela que Marcelo autografou muitas vezes durante a campanha embora não tenha adorado o resultado final. 


O Presidente da República eleito nunca disse ao seu biógrafo se gostou ou não do livro. “Não sei. Nunca percebi. Suponho que não tenha ficado efusivo com o resultado final”, diz Vítor Matos ao i. Em 2012, o ano em o livro foi publicado, encontraram-se duas vezes e só trocaram “palavras de circunstância”: “Percebi que não queria falar sobre a biografia”.

O homem que passou cinco anos a falar com Marcelo, a ler o que Marcelo escreveu, a entrevistar amigos de Marcelo, acha que Marcelo Presidente “não vai ser um monge fechado em São Bento, inatingível, como Cavaco, não vai ser formal e chato como Sampaio, não vai ser altivo como Soares, não vai ser sisudo e distante como Eanes”.

Mas Vítor Matos acredita que por muito que Marcelo se divirta – e que na Presidência seja possível esperar algumas cenas como as que vimos na campanha, com o candidato a pentear uma cabeleireira – o Presidente eleito é “muito institucional”.

“Marcelo vai divertir-se na Presidência. Ele diverte-se com tudo. Mas acho que as pessoas em geral desvalorizam uma coisa em Marcelo, porque não o conhecem. Ele é muito institucional! É evidente que quer consensos e quer que as coisas corram bem”, diz Vítor Matos.

O autor da biografia de Marcelo recorda como, durante o governo minoritário de Guterres, o então líder do PSD “nunca deitou o governo abaixo” mesmo tendo “todo o partido contra ele, incluindo Cavaco Silva”.

“A atitude pública dele pode ser heterodoxa, mas ele irá tentar não criar problemas. E a esquerda que não pense que ele vai fazer o jogo da direita. Ele não será a razão da existência de problemas”, diz Vítor Matos.

O jornalista afirma que “é um erro total pensar que Marcelo foi um líder do PSD fracassado.”. “Foi o único líder da oposição que levou a água ao seu moinho. Só não foi a eleições. Conseguiu enredar Guterres e venceu os referendos do aborto e da regionalização”. E tudo sem deitar abaixo o governo minoritário do PS, em nome do consenso para a entrada no euro.

Na introdução ao livro, Vítor Matos descreve as suas sessões com Marcelo para a produção da biografia. “Marcelo Rebelo de Sousa abriu-me sempre a porta da sua casa arrendada na Rua Conde Ferreira, em Cascais – onde vive desde 1975. Entre 2008 e 2012 encontrámo-nos umas duas dezenas de vezes para gravar mais de 70 horas de entrevistas para este livro (…) As sessões iniciavam-se pelas 21h30 ou 22h e acabavam entre a uma e as quatro da manhã. Marcelo debitava horas de informação sem parar, com um papelinho na mão onde rascunhara, de forma confusa, os factos sobre os anos de que estávamos a falar”.

No primeiro dia em que se encontraram, Marcelo perguntou a Vítor Matos se a biografia seria autorizada e ele poderia ler o texto final. O jornalista respondeu que não. “Marcelo Rebelo de Sousa concordou e foi leal até ao fim. Nunca me perguntou o que eu estava a escrever”.

Para Vítor Matos, Marcelo “tem uma visão lúdica da existência difícil de igualar. Ele diverte-se e diverte-nos. Os seus pares políticos acham que conspira. Também conspira”. Na altura em que a biografia foi escrita, Marcelo tinha apenas “o poder da palavra” e não “qualquer poder formal”. “O povo gosta porque Marcelo entretém”, concluía Matos.

ana.lopes@ionline.pt