Um Presidente sem dívidas, um governo hipotecado e um país falido


Estamos mesmo num Tempo Novo e, por sinal, cheio de perigos e de crises potenciais.


1) Pela primeira vez um Presidente da República não deve politicamente nada a ninguém. Desse ponto de vista está livre de ónus e encargos. Quando muito terá dívidas de gratidão com familiares e amigos de vida. Marcelo foi eleito depois de uma campanha sem máquina, baseada em afectos e sustentada no carinho que as pessoas lhe demonstraram. O seu resultado confirmou o que todas as sondagens indicaram nos últimos anos quando o seu nome  surgia, como frisou Manuela Ferreira Leite num lúcido comentário na TVI.  

É certo que a abstenção foi grande, mas neste caso não foi um mal. Pelo contrário. Como não houve “ nem funfuns nem gaitinhas”, também não houve as brutais máquinas partidárias distritais para estimular a ida às urnas com ofertas de sacos, canetas, bonés, bandeiras e calendários. Isto para não falar de carrinhas a ir buscar velhinhos aos lares. E isso tornou mais pura, mais séria, mais sóbria e mais bonita esta vitória, saída de uma votação feita ainda com uma elevada abstenção técnica que ninguém corrige.

Marcelo Rebelo de Sousa é um tímido corrigido. É um falso expansivo. É um homem mais só e solitário do que muitos possam pensar. Ora essa é uma qualidade para um presidente que tem de decidir sozinho e em consciência sobre muitas coisas, mesmo que ouça previamente outras opiniões. Se é certo que os seus antecessores também decidiram solitariamente questões difíceis, não é menos certo que todos eles tinham objectivas dívidas políticas com espaços eleitorais bem definidos. Agora é diferente. No Palácio de Belém vai morar um prisioneiro de múltiplas obrigações e responsabilidades, mas um homem muito livre do ponto de vista político, económico e intelectual. Foi de resto também o único candidato que se apresentou afirmando que vinha para pagar o muito que Portugal lhe deu. Só isso mostra a diferença daqueles discursos patéticos de supostos servidores da Pátria a venderem a suas candidaturas como sacrifícios. Assim consiga Marcelo manter essas qualidades e a notável capacidade de ligação ao país que demonstrou, explicando os seus actos, gerando consensos, procurando equilíbrios, estabilidade, progresso e paz no país e dentro de um espaço europeu, ibérico e lusófono. É difícil mas é possível, apesar das muitas sombras que pairam sobre o nosso futuro colectivo. António Costa garantiu-lhe lealdade. Neste caso merece o benefício da dúvida. Num ponto Sampaio da Nóvoa tinha razão. Este é um tempo novo.

2) Como já aqui se referiu a semana passada, existe a possibilidade de ainda este ano se dar uma crise política grave. António Costa tem tentado evita-la, cedendo pontualmente ao Bloco (este mais moderado) e ao PCP. Mas é bem possível que, na primeira oportunidade em que possa jogar com uma ruptura em seu favor, Costa assuma que as coisas não podem continuar a caminhar em direcção a um colapso económico e financeiro, gerado por este governo e sobretudo pelo anterior, como o demonstram as notícias que diariamente nos chegam.

O governo de António Costa depende agora mais do que nunca de um PCP dividido internamente e ferido no seu orgulho. 

Depois de nas legislativas ter ficado atrás do Bloco (o que já não era coisa fácil de engolir), o PCP viu agora o seu candidato, Edgar Silva, ser esmagado por Marisa Matias que era a candidata que mais temia. Mais grave ainda foi a circunstância de só por pouco Tino de Rans (receptador do voto de protesto) não ter ultrapassado o candidato comunista. A diferença foi apenas de 30 mil votos. Um escândalo! Perante isto, muitos comunistas acham que só podem ficar no governo se conseguirem ainda mais cedências para as suas clientelas que assentam em reformados, aposentados e trabalhadores ligados ao Estado ou às empresas públicas. O governo de Costa tem uma hipoteca pendente junto dos comunistas que podem executá-la quando muito bem entenderem para sobreviver. Pelo contrário, o Bloco está numa nova fase de crescimento e consolidação, ao jeito do Podemos espanhol. E terá certamente vantagem em manter-se na zona do poder, jogando com inteligência a sua influência.

3) O problema no meio disto é que a economia do país real está exausta e sem soluções imediatas para uma crise galopante que nos afecta profundamente.Mais do que nunca, Portugal depende da execução de uma política assertiva, rigorosa e de crescimento, mas também do apoio da União Europeia, dos avaliadores (agências de rating nomeadamente) e dos investidores e mercados internacionais. E aí não há volta a dar. Há limites para enfrentar essas instâncias. As cedências devem ser obtidas e negociadas nos gabinetes, aproveitando a circunstância de internacionalmente existir consciência de que a austeridade violenta agravou muitos os problemas. No entanto, políticas de confronto só levam à falência colectiva. Os gregos que o digam. Costa e agora Marcelo sabem-no bem e são os primeiros responsáveis pela procura de soluções que compatibilizem minimamente os diversos interesses para o Bem da Nação como se dizia no tempo da “Outra Senhora”.

Jornalista


Um Presidente sem dívidas, um governo hipotecado e um país falido


Estamos mesmo num Tempo Novo e, por sinal, cheio de perigos e de crises potenciais.


1) Pela primeira vez um Presidente da República não deve politicamente nada a ninguém. Desse ponto de vista está livre de ónus e encargos. Quando muito terá dívidas de gratidão com familiares e amigos de vida. Marcelo foi eleito depois de uma campanha sem máquina, baseada em afectos e sustentada no carinho que as pessoas lhe demonstraram. O seu resultado confirmou o que todas as sondagens indicaram nos últimos anos quando o seu nome  surgia, como frisou Manuela Ferreira Leite num lúcido comentário na TVI.  

É certo que a abstenção foi grande, mas neste caso não foi um mal. Pelo contrário. Como não houve “ nem funfuns nem gaitinhas”, também não houve as brutais máquinas partidárias distritais para estimular a ida às urnas com ofertas de sacos, canetas, bonés, bandeiras e calendários. Isto para não falar de carrinhas a ir buscar velhinhos aos lares. E isso tornou mais pura, mais séria, mais sóbria e mais bonita esta vitória, saída de uma votação feita ainda com uma elevada abstenção técnica que ninguém corrige.

Marcelo Rebelo de Sousa é um tímido corrigido. É um falso expansivo. É um homem mais só e solitário do que muitos possam pensar. Ora essa é uma qualidade para um presidente que tem de decidir sozinho e em consciência sobre muitas coisas, mesmo que ouça previamente outras opiniões. Se é certo que os seus antecessores também decidiram solitariamente questões difíceis, não é menos certo que todos eles tinham objectivas dívidas políticas com espaços eleitorais bem definidos. Agora é diferente. No Palácio de Belém vai morar um prisioneiro de múltiplas obrigações e responsabilidades, mas um homem muito livre do ponto de vista político, económico e intelectual. Foi de resto também o único candidato que se apresentou afirmando que vinha para pagar o muito que Portugal lhe deu. Só isso mostra a diferença daqueles discursos patéticos de supostos servidores da Pátria a venderem a suas candidaturas como sacrifícios. Assim consiga Marcelo manter essas qualidades e a notável capacidade de ligação ao país que demonstrou, explicando os seus actos, gerando consensos, procurando equilíbrios, estabilidade, progresso e paz no país e dentro de um espaço europeu, ibérico e lusófono. É difícil mas é possível, apesar das muitas sombras que pairam sobre o nosso futuro colectivo. António Costa garantiu-lhe lealdade. Neste caso merece o benefício da dúvida. Num ponto Sampaio da Nóvoa tinha razão. Este é um tempo novo.

2) Como já aqui se referiu a semana passada, existe a possibilidade de ainda este ano se dar uma crise política grave. António Costa tem tentado evita-la, cedendo pontualmente ao Bloco (este mais moderado) e ao PCP. Mas é bem possível que, na primeira oportunidade em que possa jogar com uma ruptura em seu favor, Costa assuma que as coisas não podem continuar a caminhar em direcção a um colapso económico e financeiro, gerado por este governo e sobretudo pelo anterior, como o demonstram as notícias que diariamente nos chegam.

O governo de António Costa depende agora mais do que nunca de um PCP dividido internamente e ferido no seu orgulho. 

Depois de nas legislativas ter ficado atrás do Bloco (o que já não era coisa fácil de engolir), o PCP viu agora o seu candidato, Edgar Silva, ser esmagado por Marisa Matias que era a candidata que mais temia. Mais grave ainda foi a circunstância de só por pouco Tino de Rans (receptador do voto de protesto) não ter ultrapassado o candidato comunista. A diferença foi apenas de 30 mil votos. Um escândalo! Perante isto, muitos comunistas acham que só podem ficar no governo se conseguirem ainda mais cedências para as suas clientelas que assentam em reformados, aposentados e trabalhadores ligados ao Estado ou às empresas públicas. O governo de Costa tem uma hipoteca pendente junto dos comunistas que podem executá-la quando muito bem entenderem para sobreviver. Pelo contrário, o Bloco está numa nova fase de crescimento e consolidação, ao jeito do Podemos espanhol. E terá certamente vantagem em manter-se na zona do poder, jogando com inteligência a sua influência.

3) O problema no meio disto é que a economia do país real está exausta e sem soluções imediatas para uma crise galopante que nos afecta profundamente.Mais do que nunca, Portugal depende da execução de uma política assertiva, rigorosa e de crescimento, mas também do apoio da União Europeia, dos avaliadores (agências de rating nomeadamente) e dos investidores e mercados internacionais. E aí não há volta a dar. Há limites para enfrentar essas instâncias. As cedências devem ser obtidas e negociadas nos gabinetes, aproveitando a circunstância de internacionalmente existir consciência de que a austeridade violenta agravou muitos os problemas. No entanto, políticas de confronto só levam à falência colectiva. Os gregos que o digam. Costa e agora Marcelo sabem-no bem e são os primeiros responsáveis pela procura de soluções que compatibilizem minimamente os diversos interesses para o Bem da Nação como se dizia no tempo da “Outra Senhora”.

Jornalista