Raspar em busca de fortuna já deu 2,2 mil milhões de euros aos portugueses

Raspar em busca de fortuna já deu 2,2 mil milhões de euros aos portugueses


Euromilhões deixou de ser o jogo de eleição dos portugueses. Este foi o ano de ouro da Lotaria Instantânea


O Euromilhões foi rei dos jogos da Santa Casa da Misericórdia durante vários anos. Mas, qual “Guerra dos Tronos”, este ano foi destronado pela Raspadinha. Para perceber a dimensão do fenómeno da Lotaria Instantânea, mais conhecida como Raspadinha, é preciso recuar até 1997, quando a hipótese da sua extinção chegou a estar em cima da mesa porque as receitas eram inferiores ao previsto. Cerca de 18 anos depois, eis a grande surpresa: a Raspadinha ultrapassa o Euromilhões. Um jogo que, de acordo com a Santa Casa da Misericórdia, desde que apareceu, já contemplou os apostadores portugueses com mais de 2,2 mil milhões de euros em prémios.

Até ao mês de novembro, as receitas deste jogo ultrapassaram os 985 milhões de euros, o que faz com que seja o jogo que mais dinheiro dá à instituição. Entre janeiro e novembro, as receitas da Raspadinha, jogo de resultado imediato, representaram 58% do total de vendas. Um crescimento que é de longe a evolução mais expressiva entre os jogos que Santa Casa da Misericórdia explora. No período homólogo de 2014, a raspadinha valia 37%.

Já nos restantes jogos, há uma clara tendência de desinvestimento. Os portugueses gastaram menos no Euromilhões, Totoloto, Totobola, Lotaria Popular, Joker e Lotaria Clássica.

O Euromilhões ficou em segundo lugar nas preferências dos apostadores e acumulou vendas de mais de 747 milhões de euros, o que em comparação com o mesmo período de 2014, representa uma queda de 11,7%. Em terceiro lugar ficou o Totoloto com mais de 118 milhões de vendas.

Sempre a crescer O dinheiro gasto pelos apostadores passou de 207 milhões de euros em 2011 para 625 milhões em 2014. Mas esta não é a evolução mais acentuada. Recuando até 2008, ano em que se começaram a fazer sentir os efeitos da crise económica, o crescimento agigantou-se. Por esta altura, as receitas deste jogo eram inferiores a 50 milhões de euros.

De acordo com o site do Departamento de Jogos, neste momento existem mais de 20 variações deste jogo. Para o fenómeno de crescimento que se tem verificado, muito tem contribuído a mudança das regras. Em 1995, ano em que nasceu este jogo, ganhava quem encontrasse três símbolos iguais. Agora, existem as mais variadas combinações que se traduzem nos bons resultados deste jogo. Um excelente negócio para o Estado, que cobra, desde 2013, um imposto de selo de 20% de todos os prémios acima dos cinco mil euros. Em 2014, por via deste imposto, o Estado somou 44 milhões de euros.

A Raspadinha é um jogo com características que justificam este aumento na procura. Nomeadamente, o facto de o apostador saber na hora se tem prémio ou não. “Houve de facto um grande aumento na procura e acho que muito pelo facto de ser dinheiro rápido”, explica ao i Simões Lopes, proprietário da casa Deus Dá a Sorte, no Porto.

Uma abordagem defendida também por Pedro Hubert, psicólogo e especialista em dependências de jogo. “A Raspadinha ganha destaque porque as pessoas sabem logo se receberam alguma coisa. É ainda preciso ter em conta de que os fatores circunstanciais contam muito, nomeadamente a crise e a maior aposta no marketing”, explica ao i, acrescentando, no entanto, que em termos de dependência as “máquinas dos casinos continuam a ser o maior problema no que respeita ao vício do jogo”. Mas, apesar desta garantia, existem casos em que a procura por dinheiro rápido virou um vício. Em 2013, uma mulher anunciou que ia processar a Santa Casa por estar viciada no jogo, alegando uma “ausência grave de política de jogo responsável”.

“No caso deste jogo, como também no álcool e nas drogas, há fatores de risco. Primeiro, a predisposição para o jogo e a impulsividade; depois, é importante ter em conta a frequência com que se joga, se a resposta ao prémio é rápida e o montante atrativo”, sublinha o especialista, acrescentando que a Raspadinha tem alguns destes aliciantes importantes.

País rendido Este fenómeno da Lotaria Instantânea tem varrido Portugal de norte a sul. “Recebemos cerca de 10 mil euros à terça-feira e no sábado já não temos nada. Em média, temos pessoas a gastar 100 e tal euros”, explica ao i Simões Lopes, proprietário da casa Deus Dá a Sorte, no Porto. “Este Natal, a procura foi tanta que em apenas algumas horas foi tudo. Houve muita gente a gastar mais de 150 euros”, acrescenta, sem deixar de recordar que em 2013 “saiu uma Raspadinha de 50 mil euros”.

Também em Coimbra existe a febre da Raspadinha. “É um dos jogos mais viciantes. As pessoas iludem-se e querem sempre mais. Vendemos tudo o que compramos”, exemplifica José Cruz, proprietário do Santa Cruz, em Coimbra. Uma realidade que se verifica em todo o país. De acordo com Fernando Félix, responsável pela Casa da Sorte do Rossio, “às vezes, não há stock suficiente”.

sofia.santos@ionline.pt