Há 22 anos, quando Tomoaki Kanazawa chegava a Lisboa para ser chefe do embaixador do Japão, os portugueses ainda perguntavam se “era possível comer peixe cru”, recorda. “Sushi” e “sashimi” eram palavras quase desconhecidas e Tomo, como é conhecido, nunca pensou “que um dia haveria mais de cem restaurantes” do género, confessa. “A gastronomia oriental começou a instalar-se há uns 15 anos e cresceu bastante aqui, fiquei surpreendido.”
O sushi tornou-se “um negócio”, diz o chefe de 48 anos, como outros que se foram espalhando pela cidade e não são de modo nenhum sinónimo de qualidade ou variedade. “Houve uma altura em que a moda eram os restaurantes indianos, a seguir foram os restaurantes chineses. E as ementas são todas iguais. Há um que acerta e os outros vão todos copiar, porque só assim conseguem vender. A estrutura do negócio é que faz a estrutura do restaurante.”
Pelo contrário, no novo restaurante que abre portas na quarta-feira 25 só vão caber oito pessoas para uma refeição por dia em que a ementa nunca é fixa. Um ambiente familiar, como o que encontramos quando visitamos o espaço em Algés, numa zona pouco movimentada, onde a maior parte das lojas de rés-do-chão ainda estão por alugar. “Fica ao pé do Hospital do Gato”, explicava-nos Tomo num SMS, mas é com um cão que o encontramos nos braços quando entramos no pequeno restaurante.
Ao lado, a mulher, Kayo, e a filha cumprimentam-nos como se tivéssemos acabado de chegar a sua casa. Este espaço é “familiar” e faz todo o sentido que assim seja. “Depois de várias experiências com restaurantes mais ou menos grandes, nunca tive grande satisfação”, confessa. Em Agosto, o chefe anunciou que ia deixar o Tomo, o restaurante que geria também em Algés, para se dedicar a outro projecto. “Já o dei aos meus empregados, por isso agora não tenho nada a ver com isso. O nome está emprestado e podem usar à vontade, o negócio é deles.”
No Tomo costumava servir “cento e tal refeições” ao almoço e ao jantar, o que era bom para ele “mas não era bom para o cliente”. “E a gastronomia deve ser mais próxima, como se estivéssemos numa casa de alguém, quando nem um minuto tinha para o cliente”, diz.
No novo espaço, que tem o nome da sua família, Kanazawa, vai preparar os pratos mesmo à frente dos clientes, sentados ao balcão. “Já tinha essa ideia há muitos anos e agora decidi abrir. É muito diferente servir oito ou cem pessoas. Quanto ao nosso trabalho e ao cuidado com o que vamos servir, a conservação e a preparação, é tudo diferente”, conta. “Para poucas pessoas não há stocks e não temos de preparar as coisas antes. Como num restaurante para cem pessoas em que um dos principais problemas em todo o mundo é prepararem-se as coisas às vezes três ou quatro dias antes.”
O Kanazawa, que já está a aceitar reservas – bastante compostas até ao fim de Dezembro e apenas feitas online –, vai servir um menu kaiseki de degustação. Serão 20 ou 25 pratos pensados pelo chefe e que variam consoante os produtos disponíveis e comprados a fornecedores que trabalham com Tomo há muitos anos – por exemplo, pescadores ou legumes biológicos da Quinta do Poial, em Azeitão.
O preço, por enquanto, será de 150 euros/pessoa, mas já se sabe que não se trata de um jantar normal. Até porque é uma lição de gastronomia japonesa, com uma etiqueta específica, embora não precise de estudar nada antes de se sentar aqui. “Não vou obrigar ninguém à etiqueta de mesa, mas a quem desejar aprender posso explicar como se come alguma coisa.”
Por exemplo, pratos que incluam tigelas com tampa. “Tira-se a tampa, mas os portugueses nunca pensam utilizar a tampa.” Pelos vistos, não é assim que funciona. “No Japão usa-se a tampa como prato.” E mais. “Antes da refeição, cada cliente tem de ter um papelinho, tipo guardanapo, para deixar dentro do bolso. Se houver alguma coisa de que não gosta, por exemplo uma espinha, esconde-a dentro do guardanapo, nunca a deixa no prato ou em cima da mesa.”
Todas estas curiosidades e a história do menu kaiseki, uma refeição originalmente servida aos monges com chá, podem ser contadas por Tomo. “Mostramos a cerimónia do chá e cada prato que servimos explicamos como é, como se come, em que época que se apanha…”
É melhor entregar-se nas mãos do chefe e preparar-se para experimentar pratos novos – excepto talvez qualquer coisa que envolva peixe-balão, um peixe venenoso que só alguns restaurantes japoneses têm. “Só depois de dez anos de carreira se pode preparar”, explica Tomo. “Aqui em Portugal, no Algarve, há uma espécie, mas mais pequena, e uma das mais perigosas que existem. Nem tocamos, nem lhe metemos a faca. Só a pontinha da faca já estraga tudo. A tripa e o sangue é o mais perigoso.”
Reservas em www.kanazawa.pt. Preço de 150 euros por pessoa. Rua Damião de Góis, 3-A, Lisboa.