Tem a seu cargo o pagamento das ajudas aos agricultores, venham elas da comunidade venham do Orçamento do Estado. Diz que o primeiro ano foi difícil e serviu para pôr a casa em ordem. Conseguiu que Bruxelas pagasse 610 milhões de euros em ajudas directas, mas não evitou uma multa de 45 milhões pelos atrasos entre 2004 e 2006 e outra de 120 milhões de euros pelas campanhas seguintes. Licenciado em Engenharia Agronómica, com especialização em Economia Agrária e Sociologia Rural pelo Instituto Superior de Agronomia, o secretário de Estado da Agricultura trabalhou mais anos fora que dentro do país e ainda não se habituou ao ritmo nacional; a desorganização desconcerta-o. No dia em que Itália eliminou a Alemanha do Euro 2012 observou que era a vitória do caos sobre a ordem. Mas não na sua Secretaria de Estado, para a qual tem planos claros: recebe mais quem produzir mais, quem for jovem, quem estiver associado e quem tiver os seguros em dia, num sistema cada vez mais aproximado do universal. Mas não é tudo.
Está há um ano no governo. Que medida mais se orgulha de ter tomado?
A revisão do parcelário assegurou o pagamento dos 610 milhões de euros em ajudas directas. Orgulho-me disso. É daqueles processos que depois de estar feito não dá direito a palmadinhas nas costas, mas se não estivesse feito os agricultores não tinham recebido dinheiro durante o ano de 2011 e 2012. E estávamos sob ameaça da Comissão Europeia de não receber mais ajudas directas.
Portugal terá de pagar multa pelos atrasos na actualização da situação dos agricultores nacionais?
Estamos a pagar uma primeira multa correspondente às campanhas de 2004, 2005 e 2006, no valor de 45 milhões de euros, repartidos em três fases. Há outra multa, de 120 milhões de euros, que entretanto a Comissão reviu e baixou para 87 milhões de euros, por termos revisto o parcelário e por ter aceitado um contraditório do IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas. Esta revisão em baixa mostra que a administração e o governo estão a fazer o que tem de ser feito.
A quem competia garantir que o parcelário estava actualizado?
Ao Estado. O governo anterior acabou por não o fazer… Conseguimos junto da Comissão Europeia uma moratória das multas durante o período em que estamos sob gestão da troika e que só se aplicaria caso a actualização do parcelário estivesse concluída.
E neste momento esse trabalho está feito?
Está na fase de finalização, faltam cerca de 5% de uma medida que são as redes, ou seja, alinhar tudo o que são estradas através de fotografias aéreas. Há ainda outra medida, bloco do agricultor, que é uniformizar as parcelas, uma coisa que a Comissão já reconheceu que podemos fazer a posteriori. Esta campanha foi difícil, com o controlo do parcelário. Fizemos ajustamento de direitos para os agricultores não serem prejudicados e não perderem os apoios. São mais de 170 mil agricultores e 1,6 milhões de parcelas. Mas deixamos 2013 num pano novo.
Fizemos a reprogramação do Proder – Programa de Desenvolvimento Rural e, graças a uma operação de limpeza, contratualizámos por inteiro o sexto concurso, para modernização das explorações agrícolas, que só tinha 50 milhões no orçamento para três vezes mais candidaturas. E fizemos uma planificação com o Ministério das Finanças para uma execução do Proder muito mais previsível e regular que a anterior. Isto permite-nos, por exemplo, pagar 70 milhões de euros a regiões desfavorecidas – pela localização, pelo clima, etc. –, e que vão chegar a mais de 100 mil beneficiários.
Quais são os seus objectivos para 2013?
O meu objectivo é que em 2013 tenhamos uma campanha sem alteração da legislação, com as candidaturas a funcionar bem e que, operacionalmente, tenhamos todo o trabalho feito. Passámos a pagar tudo regularmente na última semana do mês, o que traz alguma previsibilidade aos agricultores. E é esta a nossa aposta, trabalhar mais na previsibilidade que na discussão política de pagar três dias mais cedo.
A questão da dívida às seguradoras, no âmbito do SIPAC, já está resolvida?
Infelizmente tivemos de condicionar as bonificações do SIPAC – Sistema Integrado de Protecção contra as Aleatoriedades Climáticas, que estava cronicamente desorçamentado desde 2005. Tinha um orçamento de 8 milhões de euros e um custo variável de 15 ou 19 milhões. O que fizemos foi cortar as bonificações do Estado para aproximar o custo real ao valor orçamentado. Por outro lado, encontrámos duas alternativas.
Quais?
Adoptar o sistema de seguros da vinha e o sistema de seguros das frutas e hortícolas com financiamento comunitário. Estas alternativas são mais vantajosas para todos: permitem fazer poupanças no Orçamento do Estado, são mais abrangentes na cobertura dos riscos e pagam às seguradoras – como se trata de financiamento comunitário, não envolve os mesmos riscos de incumprimento.
Já lá vai o tempo em que os Estados não falhavam os pagamentos…
Já lá vai o tempo. E esperemos não chegar ao tempo em que a Comissão não paga, que isso nem vou comentar porque não sabemos. Mas por agora é garantido. Não foi um trabalho fácil, mas as regras são mais claras, mais simples e implicam pagamentos no ano, enquanto o SIPAC está a pagar às seguradoras com dois anos de atraso.
De quanto é a dívida e a quem?
A dívida é de cerca de 60 milhões de euros. São credoras a Rural Seguros e um consórcio de três outras, liderado pela Caixa Geral de Depósitos.
Os produtores estão a aderir ao novo sistema?
Tivemos um trabalho muito positivo com a Comissão Vitivinícola dos Vinhos Verdes, por exemplo, que fez uma apólice grande, a maior da Europa, com a companhia Rural Seguros. Isso, só por si, vai levar a uma poupança de um milhão de euros do Orçamento do Estado para o SIPAC, o que vai permitir começar a pagar a dívida às seguradoras e atenuar o impacto mais gravoso que o SIPAC teve na região da Beira, sobretudo em zonas de risco mais elevadas e em algumas produções, como a de maçã. A Comissão Vitivinícola do Vale do Tejo também já aderiu a este sistema, tal como mais duas ou três cooperativas agrícolas.
O vinhos e as frutas são os sectores que mais pesam no SIPAC?
O sector do vinho é o que representa maior custo, cerca de 50% do SIPAC. As frutas representam perto de 40% do total.
A verdade é que este ano foi de mudança e de instabilidade e houve seguradoras que começaram a mostrar-se relutantes em fazer seguros.
O sistema agora é misto. Como será no futuro?
Já começámos as reuniões preparatórias dos novos sistemas. Em Setembro vamos ter uma reunião prolongada com as organizações e as seguradoras para preparar o pós-2014, já no âmbito da nova PAC, e portanto com total financiamento comunitário.
Todas as actividades envolvem risco, maior ou menor. Não cabe ao empreendedor ter isso em conta quando cria o seu negócio?
Primeiro: fica mais caro ao Estado ter de pagar um apoio extraordinário de cada vez que há uma intempérie, geadas, chuvas fortes, seca, do que criar um sistema de seguros que, além disso, é mais funcional. Mas é o agricultor que paga uma boa parte do seguro, o prémio. Segundo, a agricultura tem condicionantes específicas muito diferentes das outras actividades económicas. A primeira é a exposição à aleatoriedade climática, que é enorme. Vem com o risco do negócio?! Sim, mas se não tiver agricultura falha tudo. Uma fábrica pode mudar-se para a Polónia ou para a Indonésia, o agricultor não pode mudar-se com a sua exploração às costas. E há ainda uma vertente de sustentabilidade do território e ambiental que lhe estão ligadas.
É a favor de uma agricultura subsidiada?
Mais importante que aquilo que eu acho são os estudos. Se a agricultura na União Europeia fosse liberalizada, se se acabasse com os subsídios, aconteciam duas coisas: por um lado intensificava-se a produção nas zonas mais competitivas da Europa – Holanda, Dinamarca, parte da Bélgica, Norte de França, Alemanha ficariam ainda mais intensivas –, por outro haveria um abandono generalizado nas zonas mais marginais da Europa, em que se incluem Portugal, Espanha, Grécia e Itália. Em qualquer dos casos, haveria outro ponto negativo, o impacto no ambiente, além da questão do equilíbrio do território. Daí que quando se questiona se deve ou não haver apoios à agricultura a resposta está aqui.
A agricultura tem três funções: produzir alimentos, proteger o ambiente e contribuir para o equilíbrio territorial.
O que representa o sector agrícola em Portugal em termos de emprego?
Em média, a agricultura representa 10,7% do emprego em Portugal. Mas em algumas regiões representa 47%. Por exemplo, o complexo agrícola e florestal na Beira Interior representa 47% do emprego na Região Norte e 41% na Região Sul.
A PAC representa quase 50% do orçamento comunitário. Tem receio que, com os actuais constrangimentos na Europa, parte dessa verba possa ser desviada?
Isso pode acontecer, mas a ameaça de que havia de se reduzir 20% ou 30% o orçamento da agricultura tem vindo a diminuir. E as propostas actuais são manter o orçamento em termos nominais, o que, em termos reais, equivale a uma diminuição de 7%. Isto é mais positivo que aquilo que se dizia no passado.
O que é que mudou?
Houve um factor que contribuiu para uma maior consciencialização da importância da agricultura e do apoio ao sector. Desde 2008 mudou o paradigma dos preços dos produtos agrícolas, que passou a depender dos mercados internacionais. Por outro lado existe uma componente ambiental forte e a taxa de greening veio legitimar a PAC na questão da sustentabilidade ambiental. Mas é preciso ver que o primeiro financiamento solidário dos povos da União Europeia foi com a política agrícola. A agricultura agora representa 43% do orçamento da União, 0,47% do PIB [produto interno bruto] dos 27 países. A tendência é ir declinando no futuro.
Quais as ajudas comunitárias previstas para Portugal para o próximo ano?
Em matéria de fundos comunitários, ajudas directas, deverá receber mais 7%, passando para perto de 650 milhões de euros.
E em termos de Orçamento do Estado?
Ainda não se sabe, porque a comunidade não decidiu o pacote de desenvolvimento rural que determina a participação a nível nacional. A chave de distribuição pelos diversos países ainda não foi revelada. Sabemos que teremos de co-financiar as medidas entre 15% e 25%, a maioria a 15%, uma vez que está autorizada a diminuição da comparticipação nacional. Devemos estar a olhar para cerca de 100 milhões de euros a nível nacional.
O governo tinha a meta da auto-suficiência alimentar, em valor, até 2020. Ainda importamos 3,5 mil milhões de euros. Mantêm-se os objectivos?
Vai ser impossível sermos auto-suficientes em todo o sector, e é bom que fique claro que esses objectivos são em valor. Temos uma balança comercial negativa 3 mil milhões de euros. Mas temos tido um comportamento no sector que tem sido muito positivo em termos de crescimento das exportações. O vinho, por exemplo, só no primeiro trimestre deste ano cresceu 30% em valor e no ano passado cresceu 30% em volume. Mas há outros sectores, como o das frutas e hortícolas. As frutas subiram 20% em 2011. O azeite já é auto-suficiente em valor e vai passar a ser auto-suficiente em produção nos próximos dois a três anos. A área de milho, regadio, também tem aumentado. Faltam-nos 30 mil hectares para seremos auto-suficientes e só em 2011 cresceu 4 mil hectares.
Estamos com um crescimento positivo, mas tem de ser acelerado para se alcançarem as metas previstas. Como?
Por um lado é preciso incentivar tudo o que é o apoio aos agricultores e ao rendimento, para haver produção. Neste aspecto consideramos muito positivo o critério de agricultor activo, que vem na proposta da Comissão Europeia, e somos a favor de tudo o que evite o abandono da terra. Queremos desmitificar o conceito que existia no passado de que as ajudas eram dadas para não produzir. As ajudas são dadas para o agricultor, pelo menos, manter o terreno em condições para boas práticas agrícolas.
Foi isso que se viu na revisão do parcelário?
O que vimos é que há casos em que os terrenos não estão em boas condições para a prática agrícola.
Como é que isso será evitado daqui para a frente?
No futuro, se o agricultor tiver áreas que não são produtivas terá uma redução da ajuda ou até poderá perder o direito a elas. Há casos em que os agricultores tinham áreas que não estavam em boas condições para a prática agrícola e foi feito o ajuste do cálculo dos direitos do apoio que recebe. Queremos criar aqui uma dinâmica. Há incentivos, até ao nível da política nacional, que mostram a postura do governo em relação a ter de se produzir.
Quais são?
A bolsa de terras, a cedência de terrenos do Estado, por exemplo, são indicações para estimular a produção. Outra coisa fundamental para o futuro é a concertação da oferta. Portugal tem um nível demasiado baixo da produção que é veiculada através de organizações de produtores. Os agricultores têm de trabalhar de uma forma mais associada, porque já vimos que os que estão sozinhos não vão muito longe, não têm poder negocial…
Em que ponto está a bolsa de terras?
A bolsa de terras está em discussão no parlamento. Mas há terrenos do Estado em concurso público que estão em fase de audição prévia (para reclamações). Na Direcção Regional de Agricultura do Centro sei que houve à volta de 300 hectares disponibilizados, com interesse por parte de 33 candidatos, que apresentaram à volta de 100 propostas, mas isto é matéria do secretário de Estado das Florestas, Daniel Campelo. Claro que, de 10 mil hectares, isto representa ainda muito pouco, mas o objectivo é continuar a providenciar terrenos para entregar a uma selecção de agricultores com determinadas características. A dimensão média dos terrenos é pequena, mas podem ter um rendimento por hectare elevado e se estiverem associados melhor ainda. Até Setembro as terras deverão ser entregues.
O orçamento para a agricultura tem vindo a crescer. A nível comunitário e nacional exporta-se mais, mas os agricultores queixam-se que nunca receberam tão pouco. Mais agricultura tem gerado menos dinheiro?
Não. Primeiro, as ajudas têm sido limitadas. Cinquenta por cento dos nossos beneficiários recebem menos de 600 euros. Tem vindo a registar-se um decréscimo do número de agricultores em Portugal. A média de idades ronda os 60 anos. Os jovens agricultores, pessoas até aos 45 anos de idade, representam 2% do total – a média da União Europeia, que já é baixa, é de 6%. Portugal enfrenta um desafio geracional: tem agricultores com idade elevada, tem uma pequena agricultura ainda muito relevante e o nível de formação é ainda muito baixo.
Como é que se dá a volta a isto?
O apoio público é uma das formas. Mas por isso estamos a dar prioridade aos jovens agricultores. Há uma medida do actual Proder, e que vai continuar no desenvolvimento rural, que é o apoio a jovens agricultores, que tem levado a que haja mais jovens agricultores a instalar-se. Só em 2011, através desta medida, foram 1300. O total do programa, até ao fim deste ano, prevê 5900 jovens agricultores. Na cedência de terrenos pelas direcções regionais também damos prioridade aos jovens agricultores e, dentro desses, os que estão concertados uns com os outros.
Serão criados outros programas?
Há um programa, que ainda está a ser trabalhado, que é o Impulso Jovem e que vai dar apoio à inserção de estagiários em empresas agrícolas. Tem uma componente de formação e uma componente de estágio. Estamos ainda a finalizar pormenores, mas vai envolver à volta de 6 mil jovens a quem se paga uma parte do salário. Há neste governo uma consciência muito grande, que está no seu programa e também no do ministro da Economia e dos secretários de Estado, todos eles, que é a importância para a economia dos bens transaccionáveis-chave, e a agricultura é claramente uma delas.
Em que é que isso se vai traduzir?
No próximo programa vamos condicionar os apoios aos produtores que estejam organizados uns com os outros. Isto é um primeiro ponto, ter mais garantia de escoamento do produto o ano inteiro. A forma como formulamos as políticas públicas é importante para mostrar o nosso apoio claro a determinadas práticas.
Foi também nesse sentido que foi criada a Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agro-Alimentar (PARCA)?
Essa é outra das medidas de que me orgulho. Temos já mais transparência na relação entre os produtores e a distribuição. Mas além do relatório da transparência vamos dar outros passos. Estamos a trabalhar num código de boas práticas comerciais e a rever legislação, que é um trabalho combinado, feito em parceria com o secretário de Estado da Competitividade. Queremos que haja melhor entendimento da cadeia alimentar. Há quem diga que a PARCA dá resultados parcos, mas a verdade é que põe toda a gente em diálogo.
O que mostrou o relatório sobre a transparência?
Duas coisas: que os agricultores não têm conseguido repercutir nos preços o aumento dos custos do factor de produção e que os preços dos alimentos em Portugal têm evoluído abaixo da inflação, quando na União Europeia têm evoluído acima da inflação. E mostra que são os agricultores que estão a contribuir para conter os preços. No próximo relatório já vamos ter dados mais concretos.
Como é que essa realidade se muda?
Muda-se trabalhando na legislação, por um lado – e para isso é que discutimos com a PARCA, analisando tudo o que são promoções, aplicação ou não de efeitos retroactivos, aplicação de sanções em caso de incumprimento, etc. Estamos também a trabalhar na área de prazos e pagamentos e vamos discutir a incorporação de produtos nacionais feita pelas cadeias de distribuição. São estes factores que podem levar a um reequilíbrio da situação entre produtores e distribuição e é por aqui que acreditamos que as coisas devem caminhar.
No sector do leite, a Comissão Europeia alterou a legislação e permite aos estados membros ter ou não contratos obrigatórios para produtos nacionais e importados. O que vai fazer Portugal nesta matéria?
Portugal decidiu pelos contratos obrigatórios e a partir de Outubro teremos o modelo de contrato obrigatório para o sector do leite. Isto significa que os contratos passam a ter determinados itens, como preços, quantidades, proveniência, prazos, etc. Estamos agora a discutir os pormenores das condições a contratualizar. A distribuição também será convidada a participar.