Com o país partido ao meio na mais radical bipolarização das últimas décadas, o único candidato da direita às presidenciais invoca a herança de um Presidente de esquerda – o socialista Jorge Sampaio – e demarca--se de Cavaco Silva na gestão da presente crise política. Meia dúzia de comentários na página do Facebook da candidatura já deram o tom de que, à direita, este discurso “centrista” de Marcelo Rebelo de Sousa não é agora propriamente o mais agradável de ouvir.
Marcelo escolheu um lugar património da esquerda para a sua primeira sessão de campanha em Lisboa, a sede da Voz do Operário, porque “é um local histórico, simbólico da luta pela liberdade, pela igualdade e pela justiça social. Os lugares simbólicos da nossa história são património de todos e não apenas de alguns”. Foi aí que pediu que Cavaco Silva não lhe deixe, caso venha a ser eleito, a “batata quente”. A possibilidade que Cavaco deixou em aberto de deixar Passos em gestão até à tomada de posse do próximo Presidente não tem o acordo de Marcelo.
“Não há dissoluções do parlamento anunciadas – isto é, a apreciação a ser feita deve ter lugar no momento em que se levante a necessidade ou não desse exercício e não meses ou anos antes. No que depender de mim, tudo farei para tentar não onerar o meu sucessor com problemas evitáveis relativamente ao exercício dos poderes do Estado”, disse Marcelo.
O modelo é Jorge Sampaio: “Essa é uma responsabilidade que assumo: trabalhar desde o primeiro dia no sentido de aplanar os caminhos, de fazer como Jorge Sampaio e criar pontes e empatias a partir da Presidência da República. Isso é um longo processo, mas é essencial.” Mário Soares e Ramalho Eanes foram referidos, mas Cavaco não.
A divisão política presente serviu a Marcelo para recordar o PREC – Processo Revolucionário em Curso de 1974-75, “em que se dividiam os portugueses entre patriotas e não patriotas, bons portugueses e maus portugueses, democratas e antidemocratas, entre os que tinham o exclusivo de acesso ao poder e aqueles que estavam marginalizados”. “Passaram mais de 40 anos e há uma coisa que nós sabemos e que eu sei: não queremos voltar a ter esse tipo de divisão entre os portugueses. Somos todos portugueses, cabemos todos na democracia, temos todos a plenitude dos direitos de participação”, disse o candidato presidencial, que pediu um debate com “serenidade, sem exclusões, e sobretudo não confundindo adversários e inimigos, porque não há portugueses inimigos de portugueses”.