© Ana Brigida
Escrevi logo após as legislativas que parecia “ter começado um assomo de novo ciclo de orientação do eleitorado, a caminho de novas maiorias e minorias e até de ajustamento de ideologias e programas”. Não seria prognóstico direccionado em primeira linha para os partidos do “centro-direita” (algo que esquece a fundação social-democrata do PSD, que permanece como matriz ideológica, e a raiz ao centro de Freitas do Amaral/Amaro da Costa), mas antes, em primeira linha, para a disponibilidade do BE e do PCP para ultrapassarem os radicalismos e o manual de “protesto” e se sentarem ao lado de António Costa (apoiando a sua sobrevivência).
Esta é a maior das superações deste novo ciclo político – se quisermos, após 40 anos, um “segundo tempo” da Terceira República, com mutação drástica à esquerda. De todo o modo, também há um novo “tempo” no relacionamento dos partidos da “coligação”.
PSD e CDS sempre se conexionaram numa dicotomia de partido grande vs. partido pequeno, razão pela qual, em mais de um arco temporal, o CDS lutou pela sobrevivência em face do poder compressor do partido de mais largo espectro, nomeadamente quando a tese do voto útil (tendente à maioria de um só partido) fez o seu curso avassalador nos tempos de Cavaco Silva.
As derivas de Manuel Monteiro e a estabilização (tendente à aquisição da qualidade de partido-charneira no arco da alternância governativa) obtida na primeira liderança de Paulo Portas (que lhe permitiu governar com Durão Barroso e Santana Lopes) foram consolidadas na luta diferenciadora contra a absorção pelo PSD de um mesmo espaço de afirmação e crescimento. PSD e CDS viveram invariavelmente (desde logo em militância e aparelho) uma luta desigual – interrompida aquando do entendimento da Aliança Democrática –, com anos e anos de conflitualidade e aproximação (muito visível, aliás, nas autarquias e nas regiões insulares).
De amor e ódio. Causa para muitos terem designado como uma improbabilidade o cumprimento dos quatro anos da legislatura anterior.
O certo é que os “nervos de aço” de Passos Coelho a gerirem a “demissão irrevogável” de Paulo Portas no Verão de 2013 marcaram o fim desse timbre de relacionamento. As cúpulas de ambos os partidos compreenderam que estavam condenadas ao consenso para terminar a legislatura e assumir possibilidades de vitória conjunta em 2015. E essa compreensão – muito clara na coordenação entre Passos e Portas e os seus militantes na campanha – ainda mais se acentua com os avanços do PS de António Costa para a composição de uma “frente de esquerda”, baseada na queda do que “resta do Muro de Berlim”, que ainda há não muito tempo seria apenas um delírio.
Não se trata ainda de uma fusão PSD-CDS, que, convenhamos, seria de execução por ora insustentável, mas estamos a caminho de um irreversível “agrupamento complementar” dos partidos que mais se juntam no quadro parlamentar e na base fiel do eleitorado. Ora esta “complementaridade” revela-se hoje mais incisiva que nunca, considerando a possibilidade de “agrupamento complementar” do PS com os partidos à sua esquerda.
Isto obrigará a mais ajustes e segmentações nos ideários e programas clássicos de ambos os partidos, uma vez que há que contar com o PS do seu lado ou… do outro lado – sendo o “outro lado” (centro-esquerda) tendencialmente maioritário. Frente contra frente.
Vivemos tempos únicos de concentração e redistribuição do poder e do jogo político. Preparem os manuais: depois de 4 de Outubro nada será como dantes. Também à “direita”, claro.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira