Bruno Vieira Amaral. A escrita e a “maturidade estética” que somam distinções

Bruno Vieira Amaral. A escrita e a “maturidade estética” que somam distinções


O escritor venceu ontem o Prémio José Saramago 2015 pelo seu primeiro romance.


O título do livro que lhe dá o prémio pode dar a ideia de estreia – que de certa forma é, já que é o primeiro romance –, mas a “As Primeiras Coisas”, publicado em 2013 pela Quetzal, somam-se os ensaios “Guia Para 50 Personagens da Ficção Portuguesa” (2013) e “Aleluia!” (2015). Também em matéria de distinções, o Prémio José Saramago junta-se a outros que a obra entretanto conquistou: Prémio Livro do Ano da Revista Time Out, Prémio Fernando Namora e Prémio PEN Narrativa. Admitindo as alegrias que naturalmente trazem a um escritor e o aumento de expectativas geradas nos leitores, estas distinções não foram o que levou Bruno Vieira Amaral a começar a escrever aquele que será o seu próximo livro, que arrancou ainda antes de o romance agora premiado ser lançado. “É uma investigação sobre um homicídio, um caso real que aconteceu há 30 anos”, disse sobre o livro que ainda está a escrever, em declarações aos jornalistas à margem da cerimónia de entrega do Prémio José Saramago.

A escrita de “As Primeiras Coisas” demorou quatro anos, tendo os seus primeiros textos começado a ser escritos em 2009. Bruno Vieira Amaral descreve o romance como “uma história de múltiplas verdades” e de “reconciliação do narrador com o bairro onde cresceu” apresentada com uma estrutura pouco convencional, que foi, de resto, um dos factores distinguidos pelo júri, presidido por Guilhermina Gomes e composto, entre outros, pela poetisa Ana Paula Tavares e os escritores Nelida Piñon e António Mega Ferreira. Mosaico de personagens marginais e histórias criadas a partir das “histórias mal contadas” que o autor ouvia quando era mais novo e se ligam entre si, no Bairro Amélia (um lugar imaginado na Margem Sul do Tejo), o livro reflecte, segundo o júri, uma “maturidade estética” e “um exercício literário que tem tanto de inovador nas ideias quanto de rigoroso e económico na forma e na expressão”. 

O material que tinha em mãos determinou a maneira como as histórias teriam de ser contadas e a estrutura do romance. Histórias “ouvidas ao acaso, em que nunca se chega a uma conclusão”, mas que se conhecem suficientemente de perto para revelar personagens inesperadas e pouco frequentes na literatura portuguesa. “Há coisas baseadas em pessoas que conheci. Noutras, o ponto de partida foi a imaginação, mas para lhes dar verosimilhança usei elementos que conheço. Apesar de toda a história ser inventada, cheguei a imaginar corpos para algumas das personagens”, disse o escritor, nascido no Barreiro em 1978, numa entrevista ao i na altura da publicação do romance. 

Para isso, criou outro bairro, com um nome diferente daquele em que cresceu, ao qual o narrador quis fugir, mas onde é obrigado a regressar e a confrontar-se com aqueles que o habitam.

“Procuro mais aquilo a que Vargas Llosa chama ‘realidade fictícia’”, disse na mesma entrevista – nome da literatura que voltou a repetir ontem, na cerimónia, quando falou da situação de Luaty Beirão e dos outros activistas presos em Angola. “É nossa responsabilidade chamar a atenção para essa situação”, afirmou, recordando o que a Academia Sueca disse quando entregou o Nobel da Literatura ao escritor peruano, em 2010. “O texto de justificação do prémio dizia que ele tinha mostrado a luta do indivíduo contra as estruturas do poder. Independentemente de qualquer ideologia nossa, sempre que um homem levanta a voz contra estruturas que o podem silenciar, devemos estar ao lado desse homem. Por isso acho que devemos estar, neste momento, ao lado do Luaty [Beirão] e dos outros que estão presos pelas suas ideias.”

O Prémio José Saramago foi criado em 1999 pela Fundação Círculo de Leitores. Com um valor de 25 mil euros, distingue autores com obra publicada em português e idade não superior a 35 anos na altura da publicação do livro. Ondjaki, José Luís Peixoto, Adriana Lisboa, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe e João Tordo foram já alguns dos galardoados.