Formam uma dupla incontornável da arquitectura nacional e ao longo de três décadas de actividade têm somado distinções e prémios. Mas estes devem ser vistos “no passado” ou como “incentivo” quando atribuídos a jovens. Porque, dizem os irmãos Manuel e Francisco Aires Mateus, a arquitectura “exige uma enorme resistência” e os primeiros resultados dos projectos demoram a chegar. Não é o caso do que assinaram para dois museus suíços, com o qual venceram um concurso internacional e bateram três Pritzker. Prémio que não perseguem e onde, asseguram, Portugal está bem representado.
São quase 30 os anos que já lá vão desde a criação do ateliê Aires Mateus, em 1988, para a actual fase do centro de operações de onde saem os projectos assinados pela dupla de arquitectos Francisco e Manuel Aires Mateus. Os dois irmãos começaram com mais duas pessoas, seguindo aqueles que são os primeiros passos comuns na actividade, realizando pequenas intervenções e remodelações até surgirem projectos de maior dimensão, como o Bloco II da Enfermaria para Idosos da Misericórdia de Grândola, o primeiro edifício público que fizeram. Hoje trabalham com quase meia centena de arquitectos nos dois espaços que têm em Lisboa. São sobretudo jovens, vindos de diversos países, que encontramos no número 193 da Rua Silva Carvalho. Mas há quem trabalhe com a dupla há quase 20 anos, como nos explica Manuel Aires Mateus. As secretárias vagas denunciam ausências que as visitas às obras implicam e o espaço que sobra nesses lugares falta, muitas vezes, para acolher todas as maquetas dos projectos, mesmo aquelas que os arquitectos gostariam de guardar, até porque preferem trabalhar em grande escala e é preciso desimpedir a área, que não se compadece com o acumular de toneladas de esferovite – um dos muitos materiais utilizados.
Cenário O que para os arquitectos é muitas vezes um mero instrumento de trabalho, para outros pode ser um objecto decorativo ou utilitário. Os dois irmãos recordam uma situação em que uma das maquetas que deitaram fora acabou por depois ser necessária para fotografar. A sorte foi alguém tê-la recolhido. Conseguiram descobrir o novo dono e recuperá-la para esse fim, devolvendo-a posteriormente à sua nova casa.
Um conceito que, de resto, também faz parte do trabalho da dupla de arquitectos, eleita para criar o novo espaço dos museus de l’Elysée, de fotografia, e de Design e Arte Contemporânea (Mudac), em Lausanne, na Suíça. Manuel e Francisco Aires Mateus venceram o concurso internacional por unanimidade, batendo as propostas de três prémios Pritzker, num total de 150 candidaturas de todo o mundo. “O projecto pedia que houvesse áreas comuns, mas que de alguma maneira se preservasse a identidade dos dois museus”, começa por explicar Manuel Aires Mateus, acrescentando que se apostou na ideia do espaço entre dois núcleos, que integrarão um edifício único, e que é “entendido como um prolongamento do espaço público, agregador”. O projecto segue-se a um outro, o do futuro Museu do Cantão de Belas-Artes (MCBA), que vai dar origem à grande praça onde se situará o projecto do ateliê português e que vai reconverter a antiga zona ferroviária de Lausanne. “Pensámos que seria interessante ter uma continuação desse espaço público e depois, lá dentro, é muito fácil descer a um museu e subir ao outro. A identidade que achamos mais estimulante de construir foi uma identidade colectiva, e não uma identidade um mais um”, sublinha.
O projecto, cuja fase de construção arranca em 2017, é o maior que a dupla fez, com o valor de cerca de 85 milhões de euros, e deverá estar concluído em 2020. Apesar de considerarem que todos os trabalhos podem ser complexos, independentemente da dimensão e do tempo, neste um aspecto teve de ser superado logo no início: “Entre a parte superior e a parte inferior, naquela transparência, há três pontos que a tocam e esses três pontos tivemos de provar, desde o primeiro minuto, que eram realizáveis tecnicamente”, explica Manuel Aires Mateus.
A par disso, o projecto também teve de passar pelo crivo da população daquela localidade suíça, onde a cultura da democracia participativa também se estende à arquitectura.
Financiado com dinheiros públicos e donativos de privados, o projecto acaba por envolver a comunidade desde a sua raiz. “A cidade, no dia em que anuncia publicamente o vencedor do concurso, mostra os projectos todos e explica-os à população. Estivemos no primeiro debate público, mas depois eles ficam mais algumas semanas, e todos os dias há visitas guiadas aos projectos para explicar à população a escolha do júri”, conta o arquitecto.
Francisco Aires Mateus diz que as questões colocadas pelos habitantes de Lausanne foram muito variadas, desde as relacionadas com política de solos a questões de detalhe, como se o edifício iria cortar ou não a vista a quem morasse atrás, passando por perguntas arquitectónicas. “Percebe-se que há uma preocupação muito directa da cidade, as pessoas, de facto, participam. E as polémicas passam-se antes, na devida altura, e são sanadas na devida altura. Muitas vezes, não construindo, às vezes bem, outras vezes mal.”
PortEfólio Os dois irmãos afirmam gostar de projectos que lhes permitam ter uma margem de liberdade e de trabalhar “mais na pergunta do que na resposta”. Por isso, é-lhes difícil hierarquizar projectos e os que representaram marcos no seu percurso não têm necessariamente de ser os maiores, como diz Manuel Aires Mateus. “Há uns que têm um significado muito especial, as primeiras casinhas que fizemos numa época de grande crise, há cerca de 20 anos, a casa de Alenquer, a de Azeitão, a de Melides. Outro projecto muito determinante para nós foi o do Centro de Artes de Sines [finalista do Prémio Mies van der Rohe 2007], que nos ensinou muito. De alguma maneira, são esses que, quando recuamos no tempo, são muito importantes.”
Hoje há outros importantes pelo impacto que têm, desde logo o de Lausanne, mas também o da sede da EDP, em Lisboa. A esses somam-se o Centro de Criação Contemporânea Olivier Debré de Tours e o Centro Muçulmano de Bordéus, ambos em França, a nova Faculdade de Arquitectura de Tournai, na Bélgica, ou o projecto para a Universidade de Coimbra, com mais de dez anos. Outros estão parados por razões financeiras, como os que têm em Espanha – problemas que não afectarão o projecto de uma casa em Los Angeles “para um bilionário bastante conhecido, mas não actor”, cujo nome não podem revelar devido a cláusulas contratuais.
Projectos distintos que provam também o reconhecimento internacional da arquitectura portuguesa. Um todo que, dizem, tem Álvaro Siza como vértice e o talento da nova geração como base, e do qual, modestamente, não se consideram representantes, mas antes “uma parte desse todo”.