A dependência de Portugal do investimento de países como a China, Angola e o Brasil, que afinal não estão na situação que se acreditava, foi uma boa decisão? Temos feito as alianças certas?
Os chineses investiram 6 ou 7 ou 8 mil milhões de euros na economia portuguesa nos últimos quatro anos. É importante, mas não é determinante. O mercado angolano, como o espanhol, que felizmente está em recuperação, é importante. Claro que existe algum risco de arrefecimento da economia internacional. Tal como o risco dos bancos, era bom que não existisse, mas está lá. Mas há riscos que deveriam levar os políticos a interiorizar e reforçar condições de estabilidade
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Ainda sobre o Novo Banco, afinal Vítor Bento tinha razão quando pedia mais tempo para vender?
Não conheço as razões de fundo que levaram Vítor Bento a abandonar o projecto, mas o que aconteceu prova que o Banco de Portugal não está disposto a vender a qualquer preço. O Banco de Portugal tem actuado no quadro da União Europeia, eventualmente podia ter seguido outro caminho, resta provar se era melhor ou pior do ponto de vista do contribuinte. Ainda é cedo para fazer contas.
Esperava que Ricardo Salgado, da sua geração do ISEG, não tivesse sido preso, mas foi. Visitou-o?
É uma prisão provisória, ainda não foi julgado. Visitei-o umas três ou quatro vezes nos últimos seis meses. Estou regularmente com ele porque sou seu amigo.
A Caixa Geral de Depósitos, que ainda não reembolsou o Estado em nada do que pediu emprestado, é um risco?
A CGD é um banco cujo accionista é o Estado, mas que tem de actuar de acordo com as regras de funcionamento do sector bancário e neste momento também está sujeita à supervisão do Banco Central Europeu. Tem de ter os mesmos indicadores de solvabilidade. É verdade que foi um dos bancos apoiados pelo Estado e ainda não reembolsou qualquer parte do empréstimo, mas a Caixa Geral de Depósitos estava cheia de operações duvidosas feitas no tempo de José Sócrates, que muitos socialistas também criticaram.
Que operações?
O que importa é que teve de registar imparidades. Mas penso que esta administração está a fazer um bom trabalho de consolidação da CGD e de criação de condições de revitalização, o que é muito positivo, porque esta é uma instituição fundamental no financiamento da economia portuguesa.
A Instituição Financeira de Desenvolvimento, o banco de fomento que não arranca, continua a achar que faz sentido?
A demora acontece porque criámos condições para estar na dependência dos credores. Como não somos autónomos, temos de nos sujeitar a um determinado conjunto de regras e procedimentos burocráticos. Nos termos da opinião pública houve atrasos, mas além dos atrasos do governo há as instituições europeias, que não querem a instituição, querem impor restrições.
E isso é ou não compreensível?
Eu também não percebo porque são precisos três anos para levar à prática a Instituição Financeira de Desenvolvimento, vulgo banco de fomento. Essa medida já fazia parte da proposta de programa eleitoral que eu elaborei em meados de 2011. Na altura até tinha congeminado para mim que a solução mais fácil seria fazer o spin-off do Caixa Banco de Investimento e transformá-lo em banco de fomento, aberto ao capital de outras entidades e de outros financiamentos. Teria sido a via mais fácil. Escolheram a via da criação de uma instituição de raiz e caíram na necessidade de autorização da troika, da União Europeia.
O banco de fomento é mesmo necessário ou vai ser apenas mais uma despesa?
Não é de um momento para o outro que terá o papel que outros bancos de de-senvolvimento têm, como acontece por exemplo na economia brasileira, na economia alemã, na espanhola e noutras.
Na economia brasileira, o BNDES parece já estar com problemas…
O Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), como todos estes bancos que têm uma grande interferência política, e que nem sempre são geridos de acordo com critérios de racionalidade, sobretudo em períodos de crise, acaba por trazer à superfície os erros cometidos na aplicação dos seus recursos.
O risco compensa?
Não, não é necessariamente assim. Há projectos que correram bem. Isto liga--se com o desenvolvimento das intenções políticas, com os tais modelos de corporate governance, que são muito importantes. Penso que Portugal tem condições para vingar e ser útil à economia portuguesa. Mas não vamos pôr-lhe demasiadas expectativas, é mais um veículo para ajudar. Os problemas da economia portuguesa resolvem-se com as empresas.
Onde é que o governo, qualquer que seja, pode ir buscar receita?
Uma vez disse – e disse directamente a António Costa, que era speaker convidado num pequeno-almoço –, que os políticos portugueses tinham de interiorizar uma coisa que muitos ainda não tinham interiorizado: estão esgotadas as capacidades de aumento das receitas do Estado. Que são impostos, receitas extraordinárias, receitas não recorrentes (vendas de activos), receitas das privatizações e aumento do endividamento. O modelo de financiamento da economia portuguesa nos últimos 40 anos foi aumentar a despesa pública. E para financiar o aumento da despesa pública foram subindo os impostos, menos que a despesa pública. Para colmatar o défice, foram recorrendo a receitas extraordinárias, a receitas não recorrentes e a receitas das privatizações.
Foram-se os anéis. E agora?
Agora não há capacidade de aumentar os impostos, temos é de criar condições para a baixa dos impostos sobre as famílias e sobre as empresas. As receitas extraordinárias e das privatizações estão esgotadas e os credores não nos deixam aumentar o endividamento.
Chegou a hora da verdade?
As despesas têm de caminhar para o mesmo nível da receita corrente do Estado. De uma forma mais ou menos dolorosa, consoante for maior ou menor o apoio das instituições europeias. E quanto maior ou menor for a confiança dos mercados. Então o país não pode viver, a prazo, com um nível de despesa pública à volta dos 80 mil milhões de euros? Já estivemos com uma despesa pública de 42% do PIB em 1995, depois atingiu 51,8% no período louco de José Sócrates. O objectivo para 2016 é 47%. Na dívida, não é por acaso que a União Europeia impõe como meta 60% do PIB. Atingimos mais de 120%, chegámos a 130%. E depois de termos tido 40 mil milhões de euros de receitas nas privatizações em 20 anos e mais 30 mil milhões em receitas extraordinárias. Isto prova que tivemos políticas financeiras irresponsáveis. Eu digo aos meus amigos de esquerda que nos últimos 15 anos o PS governou 85% do tempo. Logo, tem 85% da responsabilidade.
Que ministros não deviam continuar o governo?
Não vou por aí. O primeiro-ministro é que está em condições de ajuizar qual a melhor equipa para este novo ciclo. Devo dizer que tenho muito respeito por todas as pessoas que ocupam cargos ministeriais e também digo que às vezes aqueles que têm uma má imprensa são os que estão a fazer um bom trabalho. Penso que em geral todos os ministros fizeram um óptimo trabalho num quadro extraordinariamente difícil.
Há pouco falava numa revolução silenciosa ao nível das empresas. Quer concretizar?
A grande transformação que está a acontecer na economia portuguesa, e que não aparece nos jornais, nem os seus principais protagonistas são conhecidos, é a revolução no tecido produtivo português. Estou em contacto com os vários sectores da economia e nunca vi projectos agrícolas com tanta inovação, projectos ligados a actividades do mar, das florestas, da indústria transformadora. Ainda outro dia, a propósito deste edifício da EDP, soube que o fornecedor de autoclismos para as casas de banho é português, de Oliveira de Azeméis, líder mundial numa tecnologia que optimiza o consumo de água. É líder mundial. Por isso digo que quem exige estas mudanças não é o euro, não é Bruxelas, não é a senhora Merkel. Quem exige que criemos condições de estabilidade financeira e de atractividade do investimento é a globalização.
Conhece gente de todo o lado…
Tenho 72 anos, acabei a faculdade tinha 23. Aos 31 era administrador financeiro da CUF privada. Fui para o governo já tinha 50 anos. Até ir para o governo era conhecido no meio empresarial e no meio de uma comunidade mais restrita e depois de ir para o governo comecei a contactar com muito mais gente. Mas isto é tudo consequência da minha juventude acumulada [risos]. Isto é um país pequeno, Lisboa é uma aldeia…
Actualmente, em que empresas desempenha funções?
A minha actividade a 100% é na EDP. Pontualmente sou administrador não executivo da Sapec e estou no conselho de administração da Nutrinveste/Sovena. São as duas actividades pontuais. Mas na EDP está a minha actividade principal.
Também está no Banco Finantia.
Sim, mas isso é consultivo.
No conselho estratégico agora, que é composto pelo anterior conselho de administração.
Vou a uma reunião anual.
Está lá há muitos anos?
Sim, quase desde o princípio. Interrompi quando fui para o governo e fiz cinco anos de nojo em relação ao sector bancário, que tutelei. Só regressei em 2000 e saí em 2014, mas estou ligado à holding do grupo, onde estão os accionistas nacionais e estrangeiros. Estou lá por amizade com os fundadores do projecto, nomeadamente com o António Guerreiro, que foi meu aluno na faculdade. Aliás, tive três alunos de sucesso na gestão bancária deste país: António Guerreiro [Finantia], Fernando Ulrich [BPI] e Carlos Rodrigues [BIG]. Significa que os ensinei bem [risos].
Perguntei porque o Finantia tem um processo em tribunal por causa de operações realizadas em 2007.
Não vou fazer comentários sobre isso. Mas o banco contesta a interpretação do Banco de Portugal. E enquanto eu fui administrador os auditores sempre consideram as contas certas.
Também o fizeram noutros bancos, como no BES.
E é verdade, os auditores do BES, até 31 de Dezembro de 2013, não levantaram problemas. Os problemas surgiram em operações já feitas ao longo de 2014. No Finantia é meramente uma questão de interpretação contabilística, não houve prejuízo para terceiros, para ninguém. O processo foi contestado e ainda não chegou ao fim. Quando chegar falaremos. Sendo um pequeno banco, o Finantia é um caso de sucesso e com certeza vai continuar a ser.
Se o PS não aceitar fazer parte do governo, o que é que António Costa deve fazer?
O problema do António Costa no PS é um problema interno do PS. Eu não sou nem sócio nem simpatizante. Como não sou sócio do PSD, sou só simpatizante. Mas com condições, não sou um simpatizante incondicional.
Que condições?
Não tenho uma visão partidária da política. O PSD tem sido, pela sua prática política, o partido que em momentos-chave da vida política portuguesa tem estado mais próximo daquilo que Eduardo Catroga pensa que é bom para o país.