© Miguel A. Lopes /Lusa
No final das eleições e depois de humilhantemente derrotado achei que António Costa encenava à esquerda o começo de um interessante e moralmente aceitável jogo de xadrez político. O resultado geral e sobretudo particular assim o sugeriam.
Tive para mim que a campanha de forte ataque continuado do Bloco e do PCP ao PS bem como uma clara diferença ideológica e programática acentuada ao longo dos anos resultariam num par de reuniões com ambos para uma vez acendido o alarme, negociar a entrada de certas medidas do seu programa económico num futuro governo da PAF.
Programa esse que em certo tempo e em certa medida foi mesmo admirado por certa direita. Acontece que o António não gosta de xadrez e preferiu jogar póquer. Fez mal. Sabia de antemão que as cartas à sua disposição pertenciam a outro baralho e mesmo assim manteve um bluff com quem não devia e não o fez com quem devia.
Pedro Passos Coelho que não é muito dado a misturar politica e póquer, sobretudo quando não precisa, respondeu hoje por escrito ao PS e a Costa. Fê-lo de forma contundente colocando em cima da mesa o que interessa para o país e no momento em que interessa – perceber se o PS está disposto a fazer parte do governo da coligação ressalvando que não está disposto a governar apenas e só a partir do programa destes demonstrando todavia, abertura para o inicio de negociações no sentido de uma inclusão.
Faz bem porque à partida indica preferir um governo mais ou menos estável com o Partido Socialista durante quatro anos do que uma maioria absoluta dentro de um ano. Sim, os baralhos trocados de Costa resultando num jogo fraco conduziram a essa possibilidade. E permitiram também a Passos Coelho pôr em cheque por uma última vez o sentido de estado deste.
Nos três partidos que fazem o arco da governação “europeia” estão dois de centro – direita e um de centro – esquerda e o que os une é esse mesmo centro que está muito para além de uma simples palavra ou de um “gambozino politico” conforme referiu Helena Roseta em plena noite eleitoral. Hoje facilmente se depreende o alcance desta frase.
Acontece que o mote do centro como gambozino político dado ao PS para virar à esquerda pode soar bem e servir de pretexto (a simples necessidade de um é má per si) mas não corresponde á verdade. Qualquer que seja a interpretação. Em especial quando constatamos que foi com a ajuda de um eleitorado central que o PS alcançou maioria absolutas num passado recente e mesmo noutro mais longínquo.
Na maioria das vezes que o fez foi contra uma extrema-esquerda cuja oposição vincada e agressiva ao partido era maior do que qualquer uma de direita. A relevância de um eleitorado de centro também se fez sentir nas sondagens para estas eleições que davam-lhes vantagem antes da campanha e no seu início. É indesmentível que a probabilidade para um eleitor mais ou menos independente mudar a sua intenção de voto no PSD ou PP para o PS e vice-versa é maior do que nos partidos à sua esquerda.
São baralhos diferentes. Seja por razões ideológicas, históricas, europeístas e democráticas, as diferenças de base encontradas são de difícil ligação para quem mude de um para outro. Seria importante para os socialistas e para a sanidade do país que António Costa percebesse esta simples realidade a fim de salvar o partido. Porque uma vez fracassada as negociações à esquerda ou denotadas as enormes diferenças em qualquer exercício governativo de um elenco composto por PS PCP E BE o grave terá sido até onde foi e como foi engolido.
Pelo caminho também terá perdido o centro e ele restará como aquele que tornou o PS, aqui sim, num gambozino politico. Sabe-se lá durante quantos anos. Descurado o xadrez sem retorno, resta-lhe uma última cartada. Espera-se agora que jogue com o baralho certo. O país agradece.