O rapper e activista angolano Luaty Beirão, detido desde Junho e em greve de fome há 28 dias, responsabiliza o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, pelas consequências do seu protesto e acusa-o de se "imiscuir" na Justiça.
A posição consta de uma declaração escrita já no hospital-prisão de São Paulo, em Luanda, pelo punho do activista, com data de 14 de Outubro e assinatura reconhecida pelos Serviços Prisionais, à qual a Lusa teve agora acesso.
Luaty Beirão, de 33 anos, um dos 15 jovens em prisão preventiva desde Junho e formalmente acusado desde 16 de Setembro pelo Ministério Público angolano de actos preparatórios de uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, apresenta-se nesta declaração como "activista cívico, na condição de detido". Além dos 15 detidos, mais duas jovens estão em liberdade provisória.
O activista justifica a greve de fome, que encetou com a "vontade própria", por entender que os seus "direitos constitucionais" estão "a ser desrespeitados", exigindo – como prevê a lei angolana para o crime em causa – aguardar julgamento em liberdade.
"Declaro que estou plenamente consciente dos meus actos e das consequências daí resultantes e atribuo a responsabilidade desta drástica decisão ao Presidente da República, engenheiro José Eduardo dos Santos, pela sua teimosia em imiscuir-se em assuntos que numa democracia seriam da exclusiva responsabilidade do poder judicial", afirma.
Entretanto, cerca de 20 activistas participaram este domingo, pelas 8h30 (mesma hora em Lisboa) numa missa na igreja de Jesus, em plena Cidade Alta, junto ao Palácio Presidencial, em Luanda, área que como a Lusa constatou apresentava um reforço de patrulhamento nas ruas e acessos, com a presença vários militares da Unidade da Guarda Presidencial.
Um destes activistas explicou à Lusa que, asseguram, contrariamente ao acordado inicialmente com aquela paróquia, não foi possível invocar o nome de Luaty Beirão e dos restantes detidos durante a celebração ou reservar alguns minutos para uma oração no mesmo sentido, por questões relacionadas – invocadas pela igreja – com a liturgia deste domingo.
Luaty Beirão, que assina com os heterónimos musicais "Brigadeiro Mata Frakuzx" ou, mais recentemente, "Ikonoklasta", foi transferido na quinta-feira do hospital-prisão de São Paulo, também na capital, onde estava desde 9 de Outubro, para uma clínica privada de Luanda.
"Neste momento passa bem, preferiu-se mandá-lo para uma unidade mais diferenciada, por uma questão de precaução", disse na sexta-feira à Lusa Manuel Freire, chefe nacional do departamento de saúde dos Serviços Prisionais angolanos, garantindo que o seu estado de saúde "continua estável".
A família confirmou, no sábado, que não houve qualquer evolução relevante no seu estado de saúde nas últimas horas, permanecendo "estável", apesar da "gravidade".
Na clínica, Luaty Beirão é vigiado por elementos dos Serviços Prisionais no interior e exterior do quarto. Antes, desde 20 de Junho, permanecia detido num dos estabelecimentos prisionais de Luanda, tal como os restantes 14 elementos visados na operação de Junho das autoridades angolanas.
Como a Lusa noticiou na sexta-feira, Luaty Beirão, que já não se movimenta pelos próprios meios, escreveu uma outra carta, com os procedimentos no caso do agravamento do seu estado de saúde ou mesmo a morte.
Contudo, a família veio este domingo esclarecer que a mesma "não é sintomática de nada", sendo uma "declaração habitual neste contexto" e "apenas uma formalidade", conforme regras internacionais.
"Serve para defender o paciente de ser alimentado à força, caso venha a perder a consciência, ainda que momentaneamente, o que constitui uma violação dos seus direitos, e defende os próprios médicos das respectivas consequências", explicou a família, em comunicado.
Lusa