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Sinal dos tempos, quem governa não reina e quem reina não governa.O puzzle partidário emergente das eleições legislativas teve mais algumas peças colocadas em posição, primeiro nas reuniões dos grupos políticos que ontem antecederam o Conselho Europeu e depois nos corredores e nas reuniões bilaterais entre chefes de Estado e de governo e putativos chefes de governo.
Neste particular, António Costa tem jogado muito bem a suas cartas, dando uma série de entrevistas à comunicação social estrangeira através dos correspondentes em Lisboa, recordando o quanto o programa eleitoral do PS assume todos os elementos constitutivos dos compromissos europeus em matéria de ortodoxia financeira. Um governo do PS não assusta nem deve assustar os parceiros europeus.
Desde logo, os da mesma família política que são governo: França e Itália, mas também o SPD na Alemanha em coligação com a CDU, e, com menor poder, mas úteis para fazer avançar um programa de centro-esquerda, Suécia, Áustria, República Checa, Eslováquia, Croácia e Malta. Para desgraça de Passos Coelho, um governo PS também não assusta a sua família política, o PPE: o PS não é o Syriza e a teoria da vacina à la Kissinger já provou na Grécia a sua completa ineficácia.
Vista a partir de Bruxelas, “a novidade” portuguesa de não ser o partido mais votado a formar governo não chega para fazer parar as rotativas. Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo, Letónia e Noruega têm actualmente governos resultantes de um apoio parlamentar maioritário em que não se inclui o partido mais votado.
Poder-se-á dizer que em Portugal o grau de multipartidarismo não aumenta, mas tal seria esquecer a votação no BE (coisa diferente é vaticinar que tal votação se manterá no futuro). Também se poderá dizer que a tradição portuguesa não assenta em negociações de coligações e muito menos na sua durabilidade. A tradição já não é o que era e a coligação PSD/CDS-PP durou uma longa legislatura.
Sobra a explicação ao mundo do que signifique um apoio parlamentar do BE e do PCP a um governo PS. E essa explicação está por fazer (e por convencer muitos, dentro e fora do PS). Aqui, a tradição lusa não ajuda: por mais documentos que se escrevam, a prova de fogo será o quotidiano parlamentar, começando já pelo Orçamento do Estado para 2016.
E perguntará o leitor amigo e curioso: e o Conselho Europeu vai debater a situação política portuguesa? Não, caro leitor, o Conselho Europeu não interfere, como sabemos, nas escolhas democráticas dos povos soberanos que integram a União Europeia.
O Conselho Europeu aprovará um conjunto de conclusões que tentem evitar que, na próxima Primavera, as fronteiras europeias no Mediterrâneo sejam invadidas já não por um milhão, mas por vários milhões de refugiados e migrantes económicos atraídos pelo sucesso do primeiro milhão. Infelizmente, as conclusões do Conselho depositam uma grande fé na mudança da política turca de pressionar a UE pelo deixar passar estes milhões de migrantes (a lista de prendas turca é longa, mas à cabeça parece estar a isenção de vistos para os seus nacionais). Esta fé será testada já no dia 1 de Novembro, aquando das eleições legislativas turcas.
E como a fé se renova pelas reiteradas provações, as conclusões do Conselho não o escrevem mas seria preciso que a Rússia deixasse de utilizar a Síria como trampolim para o regresso ao estatuto de paridade no relacionamento com o EUA para que os fluxos migratórios diminuíssem.
Escreve à sexta-feira