Manuais escolares. Ano novo, livro novo, a mesma história

Manuais escolares. Ano novo, livro novo, a mesma história


Mudanças de cosmética ou estratégias para inutilizar os manuais são as críticas que as escolas fazem às editoras. A culpa é também dos professores, que “compactuam” com o mercado só para não ter diferentes versões na sala de aula, acusa o presidente do Movimento Reutilizar.


“Em educação, mudar por mudar, não é solução”, diz Filinto Lima, da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas. O aviso vem a propósito da constante alteração de manuais escolares, muito por causa das metas de aprendizagem que o Ministério da Educação impôs nestes últimos três anos.

O problema que está em cima da mesa, e que tem sido apontado pelas escolas e pelas famílias, é que as metas de aprendizagem que o ministro Nuno Crato implementou não são definidas tendo em conta o período de vigência (lei de 2006) de seis anos. O objectivo dessa legislação foi evitar que as famílias tivessem de comprar novos livros todos anos e que as actualizações acontecessem só de tempos em tempos, podendo os professores optar por continuar com a mesma editora ou, ao fim de seis anos, aproveitar para escolher novos manuais.

Ora, o que acontece é que, as novas metas curriculares e a revisão de programas, embora não obriguem a mudanças de livros, estão a fazer com que os professores exijam os manuais actualizados, ainda que estes não tragam grandes novidades. 

António Castel-Branco, director das Escolas de Sintra, conta que “de um modo geral, não houve grandes alterações de conteúdo”. No fundo, mudam as metas, mas a matéria é a mesma. A diferença é que os novos livros fazem referência às tais metas curriculares, uma informação que bastaria ser dada aos professores. Castel-Branco critica ainda a “profusão de diferentes manuais, para o mesmo ano de escolaridade, pertencentes ao mesmo grupo, como é o caso da Porto Editora e da Leya, que têm outras editoras no mercado, com ofertas praticamente iguais.

“Há um certo abuso das editoras”, critica Filinto Lima, advertindo que, em boa parte das vezes, o que muda são pequenas coisas, “uma imagem aqui, um esquema ali, ou a organização dos capítulos que altera a paginação, mas os conteúdos são os mesmos”. 

O dirigente da associação de directores está convencido de que se trata de um negócio “muito grande”, envolto em interesses económicos e que poderia ser combatido com a formação de uma entidade (externa e independente) para regular o mercado das editoras. O objectivo principal passaria por estabelecer um preço mínimo e máximo dos manuais, que têm um custo “exorbitante” e que tem encarecido ao longo dos anos. 

Estratégias das editoras Filinto Lima aponta o dedo às editoras por recorrerem a “estratégias muito baixas”, impossibilitando que os manuais possam ser reutilizados. “É tudo uma questão de marketing”, constata. Mesmo com o caderno de actividades, os manuais também têm exercícios com espaços em branco para preencher. E até o papel é de lustro, para não ser possível apagar, mesmo que se use o lápis. “Tudo isso é feito com intenção de o manual já não poder ser emprestado no ano seguinte”, conclui.

Henrique Cunha, do Movimento Reutilizar, que no mês passado entregou uma queixa ao Provedor de Justiça com 248 denúncias de pais insatisfeitos, recorda que o que está em causa é o incumprimento da lei por parte das escolas.

“As metas de aprendizagem não são alterações programáticas e, como tal, não exigem mudanças nos livros dos alunos”, explica. As editoras, no entanto, aproveitam essa oportunidade para fazer “mudanças subtis”, alterando também o ISBN (código do manual). E isso dificulta o trabalho do professor na sala de aula pois é obrigado a gerir uma turma com livros que têm uma paginação diferente.

Para evitar essas discrepâncias, conta Henrique Cunha, a escola acaba por adoptar a versão mais actualizada do manual mesmo que não seja obrigatório. Resultado: os livros com apenas dois anos nem sequer podem ser aproveitados para os bancos de empréstimos: “As escolas estão assim a compactuar com as editoras e com os interesses instalados onde ninguém quer mexer”, acusa o presidente do Movimento Reutilizar. Tudo isto coloca pressão e representa um ataque à auto-estima das crianças, resume Henrique Cunha, que diz ter tido conhecimento de casos em que os professores marcam falta de material aos alunos que não têm o manual mais recente. 

A solução poderá estar na tecnologia, diz o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais. É preciso inventar novas novas formas de aceder aos conteúdos, sem ser através do papel, defende Jorge Ascensão. E é o que já fazem umas poucas escolas, como é o caso do agrupamento de Cuba, no Alentejo, que em 2013, trocou os livros pelos tablets.