PS pode chegar ao governo com menos votos que a coligação

PS pode chegar ao governo com menos votos que a coligação


Se Costa perder, pode formar governo se obter um acordo parlamentar com a esquerda. Mas é preciso que continue a ser líder: uma derrota levará a pedidos de demissão imediatos.


O PS pode vir a formar governo, mesmo não sendo o partido mais votado nas eleições do próximo domingo. Constitucionalistas ouvidos pelo i são unânimes na análise: o Presidente da República deve privilegiar a solução de governo que der maiores garantias de estabilidade. E isso pode passar por chamar para o executivo não o primeiro, mas o segundo partido mais votado – desde que este garanra um apoio maioritário no parlamento. Este é, aliás, um cenário, que já faz caminho entre os socialistas. E o único que pode salvar a liderança de António Costa, caso o PS não vença as legislativas. 

O Presidente da República não tem que escolher o partido “mais votado, mas uma solução com a maior estabilidade possível”, diz Jorge Bacelar Gouveia, constitucionalista e ex-deputado pelo PSD. “O que tem de ser apresentado é uma solução de governo. O que interessa é o tipo de apoio parlamentar que se vai ter”, acrescenta. Pedro Bacelar Vasconcelos, também constitucionalista e membro do secretariado do PS, aponta igualmente as condições de governabilidade como um factor determinante. “O Presidente está obrigado a ter em conta os resultados eleitorais. Tem a obrigação de interpretar o sentido da vontade popular, o conjunto da votação. E, em face disso, tem que nomear um primeiro-ministro de acordo com os resultados das eleições e de acordo com as condições de governabilidade que lhe forem apresentadas”. 

Significa isto que, se a coligação vencer as eleições sem maioria absoluta, António Costa pode ainda assim governar se levar a Belém uma solução de governo maioritária. Um cenário que também é admitido pelo constitucionalista Tiago Duarte. Mas, a concretizar-se este cenário, sublinha, o chefe de Estado deve exigir especiais garantias: “É uma situação duplamente anómala, no sentido em que nunca aconteceu o partido que ganha as eleições não ser governo”, como nunca houve um acordo de esquerda no parlamento. “Nesse cenário julgo que o Presidente quereria um compromisso firme. Seria de exigir uma solução com garantias claras”, sublinha. Olhando para os dados das sondagens, uma coligação maioritária à esquerda teria de implicar necessariamente o PCP, ou mesmo exigir a confluência de comunistas e bloquistas. O “Expresso” afirmava, este fim-de-semana, que nestas circunstâncias Costa acredita na capacidade de diálogo do PS para chegar a um acordo, à direita ou à esquerda.

António Costa já avisou que não viabilizará o orçamento de Estado da direita, o que pode transformar um governo PSD/CDS minoritário num governo temporário. Para Bacelar Vasconcelos seria “insensato” nomear um executivo que se confronte com uma maioria, no parlamento, que rejeite o seu programa. “Não estamos em condições de andar com experiências, com sucessivos governos”. Já Tiago Duarte defende que Cavaco Silva não deve levar em conta este tipo de considerações: perante duas soluções minoritárias, Belém tem de dar posse a quem tenha mais mandatos na Assembleia da República (e, neste ponto o constitucionalista defende que contam os eleitos da coligação, PSD e CDS juntos, versus os do PS). “Não me parece que o Presidente da República decida com base em afirmações políticas em momento eleitoral”. Até porque “o actual líder do PS disse que não viabilizaria o orçamento. Mas não se sabe se António Costa, perdendo as eleições, continuará a ser líder do PS”.

No PS há quem ache o mesmo. O facto de António Costa ter chegado à liderança do partido com o argumento de que a vitória do PS nas eleições europeias por 31% tinha sido “poucochinho”, transforma uma eventual derrota de António Costa nas eleições numa hora H para o pedido de demissão do líder. Se Costa não se demitir, afirmam vários socialistas, “o partido entrará em convulsão imediata”. Do lado dos 30% de militantes que apoiaram Seguro nas primárias, há um ano, esperam-se os apelos à demissão de Costa e à convocação de novas primárias. Ou directas. Mesmo dentro do núcleo de António Costa, esse cenário também já é avaliado. Aliás, o próprio Costa o parece ter avaliado quando numa acção de campanha “passou uma bola” a Pedro Nuno Santos e disse que o acto tinha “significado político”.

“Tem de haver uma solução”
E se, não havendo uma solução de maioria, Cavaco Silva se recusasse a dar posse a um governo minoritário? Poderia o presidente deixar a batata quente para o próximo titular do cargo, que tomará posse em Março? Para Bacelar Gouveia é impensável. “Deixar o actual governo em gestão? Isso seria uma loucura total. Teríamos o país paralisado. Seria um suicídio político-constitucional, do país e do Presidente da República. Tem que haver uma solução governativa.” Qual, há que esperar pelo resultado das eleições. Depois, tudo pode acontecer, diz o ex-deputado social--democrata, fazendo questão de frisar que acredita numa maioria absoluta da coligação. Mas se ela não chegar… “O PS pode ir buscar o CDS, porque não? O CDS já mostrou que pode virar à direita e à esquerda com grande facilidade”.