Estabilizar uma doença que não tem parado de aumentar e já é a causa por detrás de 10% das despesas nacionais com saúde: este é o objectivo do projecto “Não à Diabetes!”, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian que será oficialmente lançada hoje numa cerimónia em Lisboa. Para já, há 15 municípios prontos a arrancar com um rastreio de base populacional em que pelo menos 25% dos adultos serão convidados a avaliar a sua situação. No prazo de cinco anos, o plano é chegar a 80% da população nacional e evitar que 50 mil pessoas em risco elevado de ter a doença ultrapassem a linha vermelha, promovendo a mudança de estilo de vida. Outra meta é ajudar a detectar pelo menos 50 mil casos, já que se hoje se estima que 44% dos portugueses que têm a doença não estão diagnosticados.
Tendo em conta que se calcula que a diabetes afecte 13% da população, haverá mais de 500 mil casos ocultos. E nestas situações em que a diabetes não é controlada, o risco de complicações cardiovasculares, mas também de problemas oftalmológicos e do chamado pé diabético, disparam.
Inédito A ideia para um projecto nacional de combate à diabetes surgiu em Setembro do ano passado, quando foi divulgado o resultado da análise sobre o futuro da saúde em Portugal que a Fundação Calouste Gulbenkian encomendou a um conjunto de peritos liderados pelo britânico Nigel Crisp. Na altura, um dos reptos dos investigadores foi que investir na prevenção traria ganhos a médio prazo, poupanças que poderiam ajudar a financiar inovações. A diabetes, doença que em Portugal tem das mais altas taxas de prevalência a nível mundial, foi considerada uma área-chave. Só evitando 50 mil novos casos e despistando outros 50 mil, os peritos estimaram uma poupança anual de 45 milhões de euros.
Nos últimos meses, o projecto passou das páginas do relatório para o terreno e, caso venha a assumir escala nacional, será mesmo inédito. Jorge Soares, responsável pelo programa Gulbenkian Inovar em Saúde, explicou ao i que o papel da fundação tem sido unir parceiros e preparar a implementação, que contará com o apoio do Ministério da Saúde, mas também da Associação Nacional de Municípios, Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, Associação Nacional das Farmácias e Sociedade Portuguesa de Diabetologia. Do lado da indústria farmacêutica há apoio da Merck Sharp & Dohme, Novartis e Fundação AstraZeneca. “Mais do que investimento financeiro, há uma aposta na criação de parcerias”, diz Jorge Soares. “Se não houver articulação com os centros de saúde e com os médicos de família, não vale a pena dizermos às pessoas que têm diabetes”, exemplifica. Sem revelar montantes, o responsável admite que a Gulbenkian está preparada para patrocinar eventuais necessidades financeiras do projecto.
Como vai funcionar No que toca a concretização, Jorge Soares passa a bola aos peritos nesta área. Luís Gardete Correia, presidente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, explica que foram endereçados convites aos municípios e, para já, 15 estão prontos a arrancar com as actividades no terreno, algo que deverá acontecer até ao fim do ano. Na zona de Lisboa é o caso de Cascais, Sintra ou Oeiras; e, a norte, de Matosinhos, Porto e Gaia.
Haverá um gestor municipal do projecto e a ideia é levar a população a preencher um questionário de risco que, à partida, será feito nas farmácias. “Mas queremos chegar a toda a gente em todo do lado, dos cafés às festas dos bombeiros”, explicou ao i Gardete Correia.
Feito o inquérito, é possível saber em que patamar de risco se encontra (veja ao lado o teste que será usado). Seguir-se-á então a marcação de consulta com o médico de família, para haver acompanhamento clínico. E a pessoa é convidada a participar numa formação sobre hábitos saudáveis que podem reverter parte do risco, a ter lugar nos centros de saúde.
Gardete Correia revela que até à data foi dada formação a 100 profissionais de saúde sobre nutrição e estilo de vida na diabetes que agora deverão levar a informação país fora. O que faltava para um projecto assim? Para Luís Gardete Correia, o segredo está na mobilização. “Se conseguirmos, vamos mudar um panorama dramático. Hoje, um em cada dez portugueses sofre de diabetes, mas há dois milhões em risco. Em 2035, um sexto da população pode ter diabetes, e é isso que queremos evitar.”