Vitrinas vandalizadas com spray de cor laranja e palavreado ofensivo. Foi esse o resultado do trabalho fotográfico do publicitário Henrique Silva (conhecido por Bibito) que esteve exposto até quinta-feira passada na galeria de arte Passevite, na zona de Arroios, em Lisboa. Mas o que para muitos foi considerado puro vandalismo, para o autor é revelador de que alguém agiu em conformidade com a revolta que sentiu e isso é bom.
“Não que queira fazer o incitamento a tais actos, mas gostei de ver que alguém actuou contra algo que o revoltava. Seja estupidez ou ignorância, como muita gente acusou no meu Facebook, ou seja porque for, actuou”, afirmou, confessando que “achou o máximo” que “num país tão orgulhoso dos seus brandos costumes, que se conforma quando nos cortam os ordenados ou nos retiram a soberania”, alguém se tenha insurgido contra o que julgou tratar-se de idolatria aos neonazis.
A exposição intitulada “I had a dream – eu tive um sonho mau” envolve fotomontagens de figuras como Hitler, Mao Tse Tung, Estaline ou Lenine, Margaret Thatcher, Merkel, mas também Cavaco Silva, Ricardo Salgado, Santo António e até Bibi (da Casa Pia), entre outros. E com a particularidade de todas as imagens terem sido construídas utilizando o rosto de Bibito. Mas foi especificamente a imagem de Hitler a provocar o acto de vandalismo.
O trabalho “brinca com a expressão do Luther King ‘I have a dream’ [um sonho com repercussões positivas no mundo], em contraponto com os sonhos que estas pessoas que eu represento ou interpreto: elas tiveram um sonho, uma visão, só que era um sonho mau”, explica. Bibito diz que apesar de ser um trabalho que se baseia na provocação, não estava à espera de que alguém chegasse a vias de facto. O objectivo era muito claro: “Pegar em imagens e estereótipos que representam o pior de nós e, de alguma forma, recontextualizá-los de uma forma humorística e ligeira. Não é tanto o desmistificar, mas mais retirar o seu peso e valor. A ideia era precisamente provocar”, realça.
E porquê? Para fazermos as pazes com o que já lá vai no tempo, mas também para evitar que se volte a repetir. Na opinião de Bibito, temos de viver melhor com o passado, sem ressentimentos, sem ressabiamentos. Se não o fizermos, haverá sempre situações de complexos, intolerância ou vinganças.
Em relação ao período do Estado Novo, Bibito lembra que foi um dos responsáveis pela publicidade e comunicação do programa “Os Grandes Portugueses”, da RTP1. De uma lista de 100 personalidades portuguesas, foi Salazar quem ganhou, com uma votação de 41%, à frente de Álvaro Cunhal, D. Afonso Henriques e Camões. “Fiquei espantado com o espanto de algumas pessoas, principalmente responsáveis pelo programa, com o resultado da votação dos portugueses.”
Bibito considera que o programa foi uma “excelente oportunidade de exorcizar” a ideia de Salazar e do Estado Novo. “É preferível mostrar, falar, do que continuarmos a alimentar essa ideia de ‘coitadinhos que somos e que maus que eles eram’”, opina o publicitário, que há quatro anos decidiu emigrar para Macau.