Outono quente


Com Rio, Marcelo, Maria de Belém e Nóvoa, teremos as eleições presidenciais mais ricas desde 1986.


© Andre Kisters/Lusa

Não foi um Verão particularmente estimulante, considerando o Outono político que se avizinha. Acima de tudo foi um Verão de presidenciais, mais do que um Verão de legislativas. Aparentemente os dados para 4 de Outubro estão lançados e não há muito mais a acrescentar para além do que governo/coligação e PS fizeram até meados de Julho.

As novelas dos cartazes do PS e dos desentendimentos sobre os debates televisivos apenas encheram as leituras dos veraneantes. Desviaram a atenção, no interesse da coligação. Foram até cirurgicamente oportunas, já que é muito mais útil para a coligação enredar-se publicamente nesses argumentos do que discutir a execução das reformas de fundo, a política de financiamento do Estado, o grau de cumprimento do programa da troika, o desemprego “real” ou os resultados da carga fiscal.

Nesse contexto, há uma sensação crescente de que a coligação – com uma inédita coesão entre os quadros e os militantes de PSD e CDS – conseguiu ser mais eficaz na transmissão da mensagem sobre as virtudes da austeridade (com um interessante decaimento do ideário social--democrata no exercício prático do PSD) e a vantagem de solicitar uma continuidade em tempos de “normalidade”.

Para isso, colocou os ministros na rua em campanha “executiva” e puxa por todas as notícias que fazem esquecer o passado e encorajam o voto na “situação”.

Enquanto isso, o PS perdeu muito tempo a alinhavar a acção política de acordo com o programa macroeconómico da equipa de Mário Centeno e desperdiçou acreditação nas propostas que podem fazer a diferença: Estado social, pensões e subvenções, emprego, fiscalidade, justiça e investimento na economia.

António Costa só agora parece ter acertado no registo (mesmo com promessas avulsas à mistura) e nos protagonistas para o palco da luta. E só há pouco tempo compreendeu que os eleitores flutuantes do centro também mudaram com a austeridade e não ficaram irremediavelmente afastados de uma escolha diferente do PS.

Costa sabe agora que tudo depende dele, pois é, indiscutivelmente e por si só, o maior activo do partido.  

Enquanto isso, as “primárias” para as presidenciais terminaram ontem, com a tomada de posição de Rui Rio. Depois da confirmação (e movimentos tácticos permanentes) de Marcelo e da renúncia (sagaz e tranquila) de Santana Lopes, Rio veio desferir um ataque frontal a Marcelo e anunciar que se anuncia em Outubro.

Rio convenceu-se de que Passos e Portas podem ganhar e, mesmo que percam, Passos não abandonará a liderança nem o partido o abandonará. Assim, com logística, militância e financiamento, tudo indica que Rio vai à luta, apostando tudo num registo pessoal e numa personalidade institucional-política diferente de Marcelo.

À direita, teremos os dois (a não ser que Alberto João Jardim ainda se junte).

À esquerda, o quadro compôs-se finalmente com a estimulante entrada em cena de Maria de Belém Roseira, que vai ser para muitos (nomeadamente fora do eleitorado do PS) uma revelação (pela inteligência e preparação que sempre coloca nos seus desafios) e, também por isso, entrar no eleitorado conservador.

Sampaio da Nóvoa confirma-se mas está em perda e com discurso tergiversante. Ganhará fôlego se o PCP o apoiar, o que está cada vez mais próximo de acontecer. Henrique Neto tenderá a ser absorvido e os que ainda lutam por assinaturas contam ainda menos. Mesmo que não haja apelos de última hora, Rio, Marcelo, Belém e Nóvoa farão a campanha mais rica desde 1986 (a que elegeu Soares). Será no Outono, bem quente por sinal. 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira

Outono quente


Com Rio, Marcelo, Maria de Belém e Nóvoa, teremos as eleições presidenciais mais ricas desde 1986.


© Andre Kisters/Lusa

Não foi um Verão particularmente estimulante, considerando o Outono político que se avizinha. Acima de tudo foi um Verão de presidenciais, mais do que um Verão de legislativas. Aparentemente os dados para 4 de Outubro estão lançados e não há muito mais a acrescentar para além do que governo/coligação e PS fizeram até meados de Julho.

As novelas dos cartazes do PS e dos desentendimentos sobre os debates televisivos apenas encheram as leituras dos veraneantes. Desviaram a atenção, no interesse da coligação. Foram até cirurgicamente oportunas, já que é muito mais útil para a coligação enredar-se publicamente nesses argumentos do que discutir a execução das reformas de fundo, a política de financiamento do Estado, o grau de cumprimento do programa da troika, o desemprego “real” ou os resultados da carga fiscal.

Nesse contexto, há uma sensação crescente de que a coligação – com uma inédita coesão entre os quadros e os militantes de PSD e CDS – conseguiu ser mais eficaz na transmissão da mensagem sobre as virtudes da austeridade (com um interessante decaimento do ideário social--democrata no exercício prático do PSD) e a vantagem de solicitar uma continuidade em tempos de “normalidade”.

Para isso, colocou os ministros na rua em campanha “executiva” e puxa por todas as notícias que fazem esquecer o passado e encorajam o voto na “situação”.

Enquanto isso, o PS perdeu muito tempo a alinhavar a acção política de acordo com o programa macroeconómico da equipa de Mário Centeno e desperdiçou acreditação nas propostas que podem fazer a diferença: Estado social, pensões e subvenções, emprego, fiscalidade, justiça e investimento na economia.

António Costa só agora parece ter acertado no registo (mesmo com promessas avulsas à mistura) e nos protagonistas para o palco da luta. E só há pouco tempo compreendeu que os eleitores flutuantes do centro também mudaram com a austeridade e não ficaram irremediavelmente afastados de uma escolha diferente do PS.

Costa sabe agora que tudo depende dele, pois é, indiscutivelmente e por si só, o maior activo do partido.  

Enquanto isso, as “primárias” para as presidenciais terminaram ontem, com a tomada de posição de Rui Rio. Depois da confirmação (e movimentos tácticos permanentes) de Marcelo e da renúncia (sagaz e tranquila) de Santana Lopes, Rio veio desferir um ataque frontal a Marcelo e anunciar que se anuncia em Outubro.

Rio convenceu-se de que Passos e Portas podem ganhar e, mesmo que percam, Passos não abandonará a liderança nem o partido o abandonará. Assim, com logística, militância e financiamento, tudo indica que Rio vai à luta, apostando tudo num registo pessoal e numa personalidade institucional-política diferente de Marcelo.

À direita, teremos os dois (a não ser que Alberto João Jardim ainda se junte).

À esquerda, o quadro compôs-se finalmente com a estimulante entrada em cena de Maria de Belém Roseira, que vai ser para muitos (nomeadamente fora do eleitorado do PS) uma revelação (pela inteligência e preparação que sempre coloca nos seus desafios) e, também por isso, entrar no eleitorado conservador.

Sampaio da Nóvoa confirma-se mas está em perda e com discurso tergiversante. Ganhará fôlego se o PCP o apoiar, o que está cada vez mais próximo de acontecer. Henrique Neto tenderá a ser absorvido e os que ainda lutam por assinaturas contam ainda menos. Mesmo que não haja apelos de última hora, Rio, Marcelo, Belém e Nóvoa farão a campanha mais rica desde 1986 (a que elegeu Soares). Será no Outono, bem quente por sinal. 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira