Factos são factos, ficção é ficção.Mas Marte tem a graça de baralhar tudo. Porque sabemos pouco sobre o quarto planeta do sistema solar, “Os Marcianos Somos Nós”, como escreve Nuno Galopim neste livro de baixa gravidade. Escolhemos alguns dos tópicos abordados (outros nem por isso) e pedimos explicações ao autor.
Júpiter não é bem mais fascinante do que Marte?
Por muito que Júpiter nos tenha feito companhia a olho nu nestes últimos serões (ao lado de Vénus), e tenha até merecido um outro estatuto entre os deuses romanos, nunca chegou aos calcanhares de Marte na hora de despertar a imaginação. Fora das medições da astronomia (diâmetro, número de satélites, etc.), na lógica de números a coisa é até desfavorável ao maior dos planetas. A lista de livros de ficção científica e de filmes a terem Júpiter como cenário é de magra dieta ao lado da oferta marciana. E se é verdade que no conto “Buy Jupiter” (de 1958) Isaac Asimov encontrou uma forma de transformar o planeta num grande placard de publicidade, nunca Júpiter gerou textos como “As Crónicas Marcianas”, de Ray Bradbury, nas quais Marte é usado para reflectirmos sobre quem somos. Já agora, quem pode comparar aquele pastelão de barroco galáctico que é a “Ascensão de Júpiter” dos irmãos Wachowski até mesmo com as piores, mas hilariantes, séries Z marcianas dos anos 50?
Em indo para Marte amanhã, quais as três coisas essenciais a levar?
Em primeiro lugar, o livro “How to Live on Mars?” de Robert Zubrin, para saber tudo o que devo fazer: como plantar uma horta, que actividades de recreio são as mais indicadas e até o que se deve fazer para ter uma carreira política de sucesso no planeta. Depois levava os meus discos, porque sem eles não passo e os serviços de streaming ainda não funcionam fora da Terra. Se só pudesse levar um filme, seria “A Árvore da Vida”, de Malick (e depois escondia o “2001” do Kubrick, o “Ivan, o Terrível” do Eisenstein e a “Viagem a Tóquio” do Ozu entre a roupa).
A melhor música sobre Marte qual é?
O “Life on Mars?” (1971) de David Bowie, claro. Não só é a melhor canção marciana (embora nem fale de Marte a não ser na questão retórica que levanta) como é a minha preferida de Bowie. Na verdade, não é o único momento marciano na obra do músico, já que em 1972, para acompanhar Ziggy Stardust, foram criados os Spiders From Mars. Já sobre Júpiter nunca fez nenhuma canção deste calibre, apesar de o citar em “I Took a Train on a Gemini Spaceship”, que na verdade é uma versão de um tema do Legendary Stardust Cowboy.
“Marte Ataca” ou “Desafio Total”?
Por muito que respeite o realizador Paul Verhoeven e o escritor Philip K. Dick, o “Marte Ataca” de Tim Burton dá-lhe uns dez a zero. Nunca a música salvou a humanidade como aquele “Indian Love Call” que se escuta nos últimos momentos… E mais aqueles marcianos. E aquele casal presidencial. E a loja de donuts… E o Tom Jones… É só golos.
Mars ou Snickers?
Nem um nem outro. Chocolate é preto e sem extras.
Para um fã de “Cosmos”, é melhor Carl Sagan ou Neil de Grasse Tyson?
Sou old school, vou pelo Sagan. O “Cosmos” dele marcou-me. Talvez tenha sido mesmo o programa certo no momento certo e com o comunicador certo. Fez--me pensar. Cimentou valores que ainda hoje tomo como centrais e abriu portas ao entusiasmo por Marte ao ensinar que a ciência e a imaginação podem (e devem) andar de mãos dadas. Li muito da sua obra depois, e devorei o “Contacto” quando foi publicado. Até gosto do filme, sim. O Cosmos 2.0, mais recente, não me arrebatou. De Neil deGrasse Tyson gosto mais dos livros que da experiência televisiva. O seu “Pluto Files” merecia ser traduzido. Ah, e Plutão é mais fascinante do que Júpiter…
Na canção “Rocket Man”, Elton John diz que Marte não é local para educar crianças. Há mais gente na pop que não gosta de Marte?
Se há, não é boa gente. Há lá sítio mais bonito? Dos Pixies e Caribou aos Wings, toda a gente gosta.
John Carter é o maior herói que Marte já viu?
Não faltam heróis, mas nenhum teve o star power do John Carter. Levou cem anos a chegar ao cinema e com um filme menor… Mas foi John Carter quem lançou o fascínio de Marte – ou diremos Barsoom, o nome que lhe dão os marcianos – sobre Carl Sagan.
Quem vai chegar primeiro a Marte, a NASA ou uma nave patrocinada por um multimilionário aborrecido?
Há um multimilionário – não aborrecido, mas burro – na corrida à Casa Branca… Espero que outro (ou outra) lá chegue antes. Quanto a Marte, nada como a iniciativa oficial. Há vários livros a imaginar financiadores privados a pagar expedições. E os resultados não são nunca interessantes. Preferia ler sobre quem vai a Marte nas páginas de ciência do que nas colunas sobre famosos.
Coisas sérias: há vida em Marte ou não?
Pode haver. Como pode ter havido e já não haver. Ou nunca ter havido. Aí, e por muito que a imaginação sonhe, nada como aguardar os estudos da ciência. As célebres experiências das sondas Viking foram inconclusivas. Os achados recentes do Mars Science Laboratory são interessantes (sobretudo a descoberta de que há água líquida em Marte)… Mas ainda não há resposta. Por isso é um “não sei” (como manda a ciência). Até lá, os marcianos teremos de continuar a ser nós mesmos.