485 mil novos emigrantes podem fazer disparar a abstenção

485 mil novos emigrantes podem fazer disparar a abstenção


Bem pode o recenseamento automático tentar reduzir a abstenção fantasma, porque os cerca de 485 mil emigrantes recentes encarregar-se-ão de fazer disparar a abstenção.


“Com o recenseamento automático a abstenção fantasma passa a ser residual”, disse ao i uma  funcionário da Administração Eleitoral da Direcção Geral da Administração Interna. É, pelo menos, essa a expectativa. Só que o que se combate por um lado, cruzando informação entre os vários serviços do Estado,   pode vir a ser completamente destruído, e até agravado, por outro. E explica-se rapidamente. 

A abstenção fantasma não é mais do que o número determinado de eleitores que, apesar de constarem do caderno eleitoral, não vão votar nem nunca iriam, ou porque morreram entretanto, e isso não foi actualizado a tempo nos cadernos eleitorais, ou então porque constando naquele caderno eleitoral (porque, como diz o Cartão do Cidadão, residem naquela freguesia) migraram para longe e, entretanto, não deram conta disso no Registo Civil.

 Ora, o problema dos óbitos está resolvido, dado o cruzamento de dados no recenseamento automático. Já com o segundo caso, isto é,  a mudança de morada ou emigração, a coisa complica-se e todos sabemos quanto. Nos últimos quatro anos estes números subiram extraordinariamente para valores históricos.

Fixemo-nos neste último caso. Desde 2011 e até 2014, emigraram cerca de 485 mil portugueses, um pouco mais de 288 mil temporários e cerca 200 mil permanentes, segundos dados da Pordata. Na sua esmagadora maioria em idade de votar. É meio milhão de votantes  que sai da sua residência em Portugal, até aí sujeito a um recenseamento obrigatório e automático, mas que vai para fora do país aonde o recenseamento é voluntário e efectuado nos consulados, assim como o voto.

Para ajudar à festa, foram muitos os consulados entretanto encerrados, um movimento que aliás começou em 2007, pelo governo socialista de José Sócrates, o que, aliás, motivou manifestações de protesto por parte dos emigrantes, um pouco por toda a parte. Até por cá, no Rossio, se assistiu a uma manifestação de protesto.

Evidentemente que entre o meio milhão de novos emigrantes nem todos serão eleitores, mas na sua maioria serão cidadãos com direito de voto. Ou melhor, seriam cidadãos com direito a voto se estivessem devidamente recenseados. Ora o que se passa é que, apesar de recenseados fizeram-no na sua terra, na freguesia aonde residiam. Agora vivem longe e as condições e a vontade para produzirem, por sua iniciativa, a alteração dos cadernos eleitorais não é muita. 

E falar de 485 mil emigrantes estamos a falar da Região Autónoma da Madeira mais a Região Autónoma dos Açores. Ou, talvez muito perto de um distrito como o de Leiria, que elege 10 deputados.

Se atendermos aos números de nacionais residentes no estrangeiro, nos cadernos das eleições de 2011 eram contabilizados, isto é, estavam recenseados, pouco mais de 195 mil. Já em 2014 os cadernos para as eleições europeias contabilizavam mais 50 mil, isto é cerca de 250 mil. Um valor pouco importante se tivermos em conta que a emigração nestes anos, como atrás se referiu, atingiu valores históricos. 

E, como diria Santana Lopes, se por um voto se perde, por um voto se ganha. Mas por dez deputados pode-se perder uma eleição ou, a tal maioria absoluta, o score mágico de que nos fala o Presidente da República. E isso pode mudar tudo –  que o diga Guterres que já teve que contabilizar um deputado do CDS pouco ortodoxo, o tal do queijo Limiano, para ver aprovado um Orçamento.

Mas ainda mais complexo é perceber que se estes novos emigrantes quiserem cumprir com as suas obrigações cívicas e pretenderem, numa das viagens de visita à família, actualizar no Cartão do Cidadão a sua nova morada no estrangeiro – sobretudo aqueles que apesar de emigrarem temporariamente não vão estar em Portugal na hora de votar – o Estado português pede-lhes que indiquem um residente que por eles se responsabilize perante a autoridade fiscal. Não se discute as boas intenções da autoridade tributária (afinal nisto do deve e haver com o fisco todos temos de ser responsáveis e responsabilizados) mas, ao que parece, esta medida parece ter o condão de dissuadir quem, de boa fé, apenas pretende  actualizar a sua morada. E, sendo assim, no próximo domingo eleitoral, a mesa de voto da freguesia da sua residência bem pode esperar sentado para descarregar o seu nome no caderno eleitoral.