Saúde. Todas as crianças vão ter médico de família mas só após as eleições

Saúde. Todas as crianças vão ter médico de família mas só após as eleições


Lei foi publicada ontem em Diário da República mas só entra em vigor após as legislativas. Associações falam de medida eleitoralista


Todas as crianças vão ter um médico de família, mas só depois de eleito o próximo governo, de acordo com lei publicada ontem em Diário da República. O diploma destina-se a assegurar que “a cada criança é atribuído um médico de família”, uma medida que será assegurada através do reforço do número de profissionais de medicina geral e familiar no Serviço Nacional de Saúde, segundo a legislação. 

Para garantir a aplicação da medida, o governo eleito irá fazer um “levantamento exaustivo” de todas as crianças que não têm médico de família atribuído. Vai ainda criar para os recém-nascidos “um processo automático de atribuição de médico de família, a requerimento dos seus representantes legais”. 

Rui Nogueira, da Associação de Medicina Geral e Familiar (AMGF), diz que a medida em si é positiva, mas não é novidade: “É tão bem-vinda que até já é praticada nos centros de saúde, onde já é dada prioridade a doentes crónicos [hipertensos, diabéticos e outros], grávidas e crianças.” 

E avança que cerca de 40% da população, que não têm médico de família atribuído, estão a ser acompanhados, ainda que não seja sempre pelo mesmo profissional. Contudo, salienta que o problema da falta de médicos de família está longe de ser linear e não se resolve atribuindo mais utentes aos clínicos. “É preciso mais espaço e mais condições”, aponta, fazendo referência à falta de unidades de saúde, de enfermeiros e de equipamentos na medicina geral. 

Medida eleitoralista “Se a lei não for acompanhada de um plano, com medidas concretas, que assegure outros recursos, peca por ser eleitoralista”, avisa Rui Nogueira. André Biscaia, da Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar, é ainda mais peremptório e considera a medida “avulsa e eleitoralista”, servindo apenas “para tentar esconder um falhanço na principal promessa do ministro da Saúde: dar um médico de família a cada português”. 

Biscaia lamenta que ao longo dos últimos quatro anos o governo não tenha “feito nada” para fazer cumprir essa promessa. “E até teria sido possível, se tivesse seguido as recomendações da troika ou da OCDE que propunham aumentar o número de USF [unidades de segurança familiar]”, nota o médico. 

Para combater a carência de médicos de família (acentuada nos últimos anos devido às reformas antecipadas), “o governo devia ter criado o dobro das USF que criou e ter tornado a especialidade da medicina familiar mais atractiva”, defende Biscaia, contestando o facto de serem atribuídos “de rompante” cerca de 1900 utentes aos jovens médicos. Estes, sublinha, entram em situações de esgotamento e muitos deles preferem emigrar para países onde tenham melhores condições. 

Ainda assim, atingir a meta da lei divulgada ontem é possível, diz Rui Nogueira. “Até porque em 2016 vamos começar a reverter o problema da falta de clínicos”, refere. Perto de 400 médicos vão terminar a especialização, o que representa um aumento significativo em relação aos 236 que vão estrear-se em Outubro deste ano. Ainda assim, são insuficientes para dar resposta ao problema, diz o especialista.

O clínico relembra, no entanto, que há situações “preocupantes” em algumas regiões do país, nomeadamente nos ACES [agrupamentos de centros de saúde] que têm “carências” muito grandes, como é caso do Algarve e de Lisboa. Nestas regiões, cerca de um terço da população ainda não tem médico de família.