Iker Casillas é um guarda-redes sem igual na história do Real Madrid. Vejam lá bem isto. Joga um total de 11 finais e ganha nove. Defende 17 penáltis. Faz 2144 paradas em 725 jogos. É aquele com mais vitórias na Liga (334). E o com mais jogos a zero (259). Há mais, muito mais. Ficamo-nos por aqui, senão isto estica para duas páginas.
Um dia depois de aparecer na sala de imprensa do Estádio Santiago Bernabéu, num acto solitário, triste e raro, o Real (ou melhor, o presidente Florentino) faz marcha-atrás e organiza a homenagem merecida ao capitão.
É um acto insonso, sem a categoria do homem em causa. Aos 34 anos, Iker é dono de um currículo assombroso: 5 Ligas, 2 Taças do Rei, 4 Supertaças (em Espanha), 3 Ligas dos Campeões, 2 Supertaças Europeias, 1 Taça Intercontinental, 1 Mundial de clubes (lá fora), 1 Euro sub-15, 1 Euro sub-17, 1 Mundial sub-20, 1 Mundial e 2 Europeus (pela selecção). Ao todo, 24 títulos. É um número do arco–da-velha.
Quando aparece sozinho na sala de imprensa, domingo de manhã, não há uma única pessoa com cabeça, tronco e membros que entenda tudo aquilo. Mas como, sozinho? A imprensa de todo o mundo faz eco da falta de categoria do Real Madrid, auto-intitulado como clube senhorio pelo actual presidente. Essa imagem não cola. Na loja do clube não há camisolas de Casillas.Se alguém entrar e pedir, o não é a recusa mais comum. É como se Iker não fizesse parte de um passado (glorioso) do Real. Um pouco como a personagem WinstonSmith no “1984” de OrsonWelles.
O Ministério do Amor varre o seu nome do sistema e, a partir daí, mais ninguém conhece Winston Smith. Como se não tivesse sequer existido. O Real Madrid, por via do presidente Florentino Pérez, faz isso mesmo a Casillas. Apaga-o do sistema.A ele, ao capitão. Vai daí, Pérez é assobiadíssimo no acto, em pleno relvado do Bernabéu. A hora é de Iker e todos o aplaudem.
OLEEEÉ “Vou guardar os melhores momentos e os títulos conquistados”, diz o capitão. “É o meu primeiro dia como jogador do FC Porto. Estou certo de que terei mais momentos neste estádio”, numa alusão ao próximo 12 de Agosto, aquando do FCP-Real para o Troféu Bernabéu.
“Agradeço a todos os madridistas que apoiaram sempre. Aos que tiveram algum desentendimento comigo, lamento de verdade.” Curto e simples. Sem uma palavra sobre o presidente, ali ao lado, com ar de bom samaritano.
Toma ele a palavra. “Tive sempre excelente relacionamento com Casillas, ao contrário do que alguns dizem. Tenho grande amizade, reconhecimento, respeito e carinho por ele, pelo que fez nestes 25 anos.” Pausa. Play. “O Madrid é um clube com 113 anos de história. É difícil encontrar um jogador com 25 anos nesta casa como Iker, o melhor guarda–redes da história do futebol espanhol.”
Pausa, outra vez. Play, de novo. “Os jogadores que têm contrato só saem do clube se quiserem.” Sí señor. Como Hierro, Morientes, Raúl, Figo e Redondo, todos escorraçados pelo presi. “Iker tem todo o nosso carinho. Gostava que ele ficasse para sempre no Real, que terminasse aqui a carreira. Mas respeitamos a opção dele: vai para um grande clube e uma cidade fantástica.” E sai de cena. Como Casillas. Um com categoria, o outro sem.