O sucesso escolar não traz só vantagens financeiras, mas também benefícios para a saúde. Pelo menos é essa a conclusão do estudo americano ontem divulgado. Desistir da escola é tão fatal como fumar. A investigação, publicada na revista PLOS ONE, defende que mais de 145 mil mortes por ano poderiam ter sido evitadas nos Estados Unidos se todos tivessem terminado os estudos superiores.
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Na verdade, estes dados que chegaram da Universidade de Colorado têm uma leitura universal: “Uma mais baixa escolaridade terá repercussões nos meios de vida das pessoas”, explica Vítor Sérgio Ferreira do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Já o sociólogo Pedro Alcântara da Silva refere que “é evidente que o rendimento e a ocupação dependem em boa medida do grau de escolaridade”. O percurso educativo ocorre numa altura em que se “joga boa parte das condições de saúde que vão marcar a vida adulta”, ou seja, “existe uma sobreposição parcial – mas crucial – dos períodos considerados decisivos para a formação das hipóteses de saúde e a formação das hipóteses escolares”, explica.
O grau de escolaridade é um recurso que ajuda a definir as possibilidades que cada um vai ter no futuro, condicionando a carreira profissional e as condições socioeconómicas. “Embora nem sempre seja clara a acção independente de factores como a escolaridade, o rendimento, a ocupação ou indicadores de privação”.
Escolaridade Os dados da Direcção-Geral de Saúde mostram aliás que a longevidade varia consoante as habilitações académicas. A esperança média de vida à nascença em 2012 era de 80 anos para a população com um nível educacional baixo enquanto o valor aumentava para 83,3 na parcela com um elevado nível escolar. Com a progressão da idade estes valores deixam de ter um peso significativo mas, tanto em Portugal como nos países ocidentais, a “questão da escolaridade está relacionada com as desigualdades sociais”, avisa Vítor Sérgio Ferreira. A relação é explicada “não pela escolaridade em si, ou seja, os anos em que cada um anda na escola, mas sim por um efeito indirecto”.
Desistir cedo da escola dificulta o acesso a factores que fazem a diferença na qualidade de vida: “As pessoas com menos escolaridade estão mais propensas ao desemprego e à desigualdade social”, considera o investigador, acrescentando que “podemos também pôr a hipótese que terão mais dificuldades em ter acesso à saúde.” Pedro Alcântara da Silva explica que “a um maior nível de escolaridade corresponde um maior nível de literacia em saúde, estando ambas associadas a uma maior esperança de vida”.
Deste modo, entende-se que a escolaridade pode ter um impacto no estado de saúde mais directo do que o rendimento ou a ocupação: “A instrução fornece informação para equilibrar os hábitos saudáveis com os menos saudáveis, a saber utilizar melhor os serviços de saúde e a ter níveis de adesão terapêutica mais elevados”. Além disso, a educação “tende a criar uma afinidade com o discurso médico e uma maior abertura às mensagens preventivas”, acrescenta o sociólogo.
Abandonar a escola pode assim significar um futuro onde não há tanta hipótese de se conseguir um bom emprego, um bom rendimento e consequentemente um aceitável acesso à saúde. Vítor Sérgio Ferreira chama a atenção para o facto de termos tido uma crescente taxa de escolarização e o abandono escolar ter diminuído em Portugal mas, apesar destes factores, “o que se confirma é que os jovens que têm apenas o ensino básico, têm muito mais propensão a situações de desemprego e vulnerabilidade social.” Em termos de saúde este factor pode desenvolver-se em duas questões: “dificuldade no acesso ou doenças como depressão e falta de auto-estima”.
A escolaridade está fortemente correlacionada com o trabalho, que assume um papel duplamente importante para a compreensão das desigualdades: “Em primeiro lugar, porque determina o lugar que o indivíduo ocupa na sociedade” e está ligado com a sua escolaridade, o rendimento, habitação e redes de sociabilidade e, em segundo lugar, porque “as condições de organização do trabalho têm um impacto indirecto mas cumulativo sobre a saúde do indivíduo e o rendimento”, nomeadamente condições de trabalho prejudiciais para a saúde, associadas a profissões com maior desgaste físico, a acidentes de trabalho, entre outros, defende ainda Pedro Alcântara da Silva.
Situações Nem/Nem O quadro social de abandono escolar leva a que se chegue a um grande número de pessoas em situação nem-nem: nem estudam nem trabalhem. Quem faz parte deste grupo, “muito concentrado em algumas regiões de Portugal como Açores e Madeira”, são maioritariamente os jovens com baixa escolaridade, nomeadamente os que não passaram dos estudos no ensino básico. “A maior vulnerabilidade prende-se com a falta de perspectivas de emprego. As pessoas estão inseridas em zonas de forte compressão do emprego e estão também em regiões onde as oportunidades são diminutas”, conta Vítor Sérgio Ferreira.
A fatia da população portuguesa que abandonou a escola precocemente chega quase aos 20%. No ano passado, 17,4% dos jovens entre os 18 e os 24 anos deixaram de estudar sem completar o secundário. Apesar de este valor continuar a ser um dos mais altos na União Europeia, Portugal tem vindo a reduzir o abandono escolar, sendo agora metade do que foi em 2008.
E o que acontece a quem abandona os estudos? Mesmo com investigações sobre os estilos de vida da população portuguesa, mais focados nos jovens, continua a faltar uma política pública que actue nas escolas a nível nacional, diz o investigador, acrescentando que há pequenos projectos de âmbito escolar mas que a nível nacional continuam a escassear: “Estes assuntos podem ser tocados em algumas cadeiras que se leccionam nas escolas mas isso não se enquadra nas políticas públicas”, remata.