O debate inflamado sobre o longo processo negocial entre Bruxelas e Atenas tem impedido a opinião pública europeia de olhar com atenção para o currículo doméstico do executivo liderado pelo Syriza. Alexis Tsipras chegou ao poder em Janeiro cavalgando as causas do combate à evasão fiscal e à corrupção, da recuperação da economia, do cerco aos oligarcas e do fim da austeridade e da miséria. Com mais de meio ano no governo, é preciso ter muita fé no Syriza (e fé é coisa que os revolucionários desprezam) para acreditar que o governo obteve progressos nas suas causas eleitorais. Muito pelo contrário.
No final de 2014, ainda que lentamente, a Grécia recuperava o crescimento e registava excedentes primários. Mas a governação errática e irresponsável do Syriza afundou Atenas numa nova e brutal recessão, provocou uma maciça fuga de capitais e, como consequência, o fecho dos bancos. E as cenas de idosos desesperados a tentar salvar as suas poupanças ou de famílias a disputar medicamentos transformaram a Grécia numa Venezuela do Mediterrâneo. Todavia, há uma questão em que o Syriza tem sido muito bem-sucedido: a internacionalização de uma retórica maniqueísta na análise da crise que só serve os interesses do partido de Tsipras. A narrativa é simples: a resolução da crise grega é o derradeiro confronto entre opostos.
De um lado os bons, do outro os maus; de um lado os fracos, do outro os fortes; de um lado a dignidade do povo grego, do outro a fealdade da tecnocracia europeia; de um lado a democracia, do outro a tirania. E o Syriza, claro, está sempre do lado certo da história. Do lado da verdade. Da verdade conveniente – como dizer aos gregos que, com um “não”, se consegue assinar um acordo em 24 horas e, dois dias depois, ir a uma reunião do Eurogrupo sem uma única proposta escrita. Se mais provas fossem necessárias, isto é bem revelador das verdadeiras intenções do Syriza.
Não surpreende nada que este discurso mobilize as forças iliberais – note-se os sinais de gáudio com o resultado do referendo grego que foram dados pela Frente Nacional, da senhora Le Pen, ou pela Rússia de Putin. É grave, porém, que forças do arco democrático se deixem embalar por este canto de sereia – por mais frágeis ou insuportáveis que sejam, e algumas são-no mesmo, as premissas da construção europeia. Não é por acaso que os principais grupos políticos europeus – Populares, Socialistas e Liberais – alinharam uma posição comum que permita salvar a Grécia e defender a Europa.
Têm sido recorrentes, aliás, as posições de destacados socialistas europeus – como Martin Schulz, o presidente do Parlamento Europeu, ou Gianni Pitella, presidente da família socialista europeia – a sublinhar a existência de mais 18 democracias para além da grega na zona euro e a necessidade de o governo de Atenas regressar à mesa de negociações com renovada responsabilidade. E neste contexto, que respostas nos dá o PS português? Carlos César, o presidente do partido, diz que o programa do PS tem medidas iguais às do Syriza.
Sérgio Sousa Pinto, porta-voz socialista para as relações internacionais, votaria “não” no referendo se fosse grego. Ferro Rodrigues, líder parlamentar, assinou o manifesto dos 74 – a cópia doméstica do roteiro político grego dos últimos meses. E António Costa já disse tudo e o seu contrário sobre o Syriza – já foi um “sinal de mudança” que indicava o caminho de sucesso aos socialistas, mas também um partido “tonto” no “combate à Europa”; ou ainda que Portugal não tem um Syriza porque tem o PS.
As posições do PS são desconcertantes sobre o seu posicionamento europeu – esta direcção está mais próxima do Syriza que dos seus pares socialistas? Mas são sobretudo perturbadoras no que diz respeito à defesa do interesse nacional: o PS radicalizou-se ao ponto de defender para Portugal o programa revolucionário e iliberal que o Syriza defende para a Grécia e para a Europa?
A dois meses de eleições, estas são perguntas para as quais o PS de António Costa, perigosamente, não ofereceu resposta.
Escreve à quarta-feira