Os portugueses são um povo moderado. Quando perguntamos a alguém “como está?” a resposta provavelmente será um “mais ou menos” ou um “vai-se andando”.
Nunca nos consideramos totalmente felizes ou satisfeitos: andamos sempre no meio. “Faz parte da nossa cultura. Nem estamos muito mal nem estamos muito bem”, considera o sociólogo Rui Brites, baseando-se também nos dados do Inquérito Social Europeu.
Mas, em Portugal, há regiões mais satisfeitas do que outras. “Quando as pessoas têm de se auto-posicionar, comparam-se com os outros que lhes estão próximos”, explica o sociólogo. No Norte, as relações de vizinhança mais chegadas contribuem para explicar a diferença.
Esta é a região “mais satisfeita” do país e, na verdade, quanto mais para Sul vamos, maior a insatisfação: “No Algarve, a comparação faz-se com os turistas, pessoas mais ricas na Europa. Daí a percepção de menor felicidade”. Há sempre uma comparação com o exterior: “Se eu tivesse mais dinheiro também era mais feliz.” Os homens, em todos os escalões etários, registam um maior grau de bem-estar subjectivo do que as mulheres.
Quando falamos da felicidade estamos a falar de várias dimensões, em que se enquadram os padrões materiais de vida, a saúde, a educação, as actividades pessoais e a política. Para perceber o posicionamento do país, impõe-se a questão: Serão os portugueses felizes?
“Uma pergunta simples só pode ter uma resposta igualmente simples. Claro que são felizes”, considera Rui Brites. Mas, mais uma vez, falta uma palavra: “moderadamente”. Somos “moderadamente felizes e satisfeitos mas é preciso ver que os portugueses são moderados em tudo”, acrescenta. Para o sociólogo, é preciso “contrariar o discurso pessimista que se vê em todo o lado de que os portugueses são os mais infelizes da Europa”.
Os dados do último Inquérito Social Europeu vêm corroborar a nossa posição mediana. Numa escala de 0 a 10, os portugueses pontuam com 6.5 a felicidade que sentem, tendo em conta todos os aspectos da sua vida. E esta posição tem uma explicação:“Faz parte da idiossincrasia dos portugueses posicionarem-se a meio.” O grau de felicidade é maior na Dinamarca, país que detém uma média de 8.4 pontos.
Política e democracia Mas há um aspecto em que os portugueses abandonam a posição do meio e se revelam com os valores mais elevado na Europa: a política. Quase 40% revela no inquérito não ter nenhum interesse sobre este tema. Estes dados são “a grande mágoa” de Rui Brites: “Somos o país da Europa que mais diz não se interessar pela política”.
A este facto alia-se a incapacidade de tomar decisões políticas: “Se não se interessam pela política, também não são capazes de tomar decisões políticas”, enfatiza o sociólogo.
Estes são dois dos factores que melhor reflectem o país em termos políticos: “As pessoas passam o tempo a discutir futebol e a dizer mal do governo. Mas no que diz respeito à política são completamente alheios”, considera. Enquanto sociólogo, Rui Brites tem uma explicação: o passado do país. “Os anos de salazarismo deixaram marcas mais profundas do que nós pensamos”, explica, acrescentando que “estas práticas demoram muito tempo a passar”. As pessoas não eram estimuladas a terem uma presença política porque esta “era só reservada aos políticos”.
As ideias mantêm-se também porque “as frases populares vão persistindo e as pessoas têm memória”. A prova de que o tempo da ditadura ainda “vive” nas lembranças dos portugueses é a quantidade de vezes que se ouve dizer “no tempo do Salazar é que era bom”. Ainda hoje, “se num canal estiver a dar um debate e no outro uma novela, os portugueses vão mudar para a novela”, remata.
Em Portugal há três dados que, conjugados, são “explosivos”: apesar de não terem interesse pela política e de pensarem ser muito difícil tomar posições dentro desta área, os portugueses não estão satisfeitos com o estado da democracia. “Não nos interessamos, temos dificuldades em posicionarmo-nos mas andamos insatisfeitos. Embora a abstenção tenha aumentado, os portugueses têm esta posição mas depois votam”, diz.
Como não está satisfeito, o povo tende a votar em quem “lhes promete o céu”. Esta é também a razão pela qual “o voto nos populistas está a aumentar na Europa”.
Os jovens até aos 35 anos são os que mais se abstêm, enquanto as pessoas mais velhas e do interior são as que mais vão às urnas. Estes dados são também explicáveis:“Nas localidades os dias de eleições são dias de festa. E há sempre o sentimento: “Se eu não for votar o que é que os meus vizinhos vão dizer?”
Os portugueses são dos europeus mais insatisfeitos com o governo. Juntamente com os cidadãos dos países pós-comunistas, somos os que revelamos menores níveis de confiança nas instituições nacionais. Os portugueses “são felizes mas ainda podiam ser mais se confiassem nas instituições”, remata o sociólogo.