Ainda há lugar para uma Ínclita Geração?


Os feitos da “Ínclita Geração” parecem ser apenas memórias de um tempo distante, e os constrangimentos que o país vive no século XXI não são novos.


A contagem decrescente para as eleições já começou. Daqui em diante, até às legislativas, sobram apenas dois tempos: o de férias e o de campanha. Nenhum dos dois é particularmente fértil para debater ideias de forma profunda e serena. Do que já se viu até agora no debate político, há algumas boas ideias, muitas medidas avulsas e programas mais ou menos realistas. À esquerda e à direita, não obstante, continua a faltar o essencial para a afirmação do país nestes tempos de turbulência: uma visão integrada e suprapolítica para o futuro de Portugal. 

A última vez que Portugal teve um conceito estratégico nacional digno desse nome, ou seja, um horizonte de realização onde se cruzam e equilibram as componentes estratégica, económica, social e cultural, foi há quase 500 anos. A culpa foi daqueles a quem os poetas chamaram “a mais espectacular gesta do Ocidente Cristão”, formada por príncipes de enorme valor militar e donos de uma mundividência fora do habitual para a época.

Camões chamou-lhes, justamente, a Ínclita Geração. Henrique, o grande empreendedor dos Descobrimentos, foi o símbolo de uma geração a todos os títulos notável que compreendeu que a viabilidade de Portugal estava ameaçada se a nação fosse confinada à sua dimensão continental. É da Ínclita Geração que brota a opção marítima portuguesa. Escusado será dizer que esta foi uma opção que mudou o curso da história. Da nossa e do mundo. Criou-se um império luso-mundista. 

Os feitos da Ínclita Geração parecem ser apenas memórias de um tempo distante. Mas não podemos perder de vista que os constrangimentos que o país vive no século XXI não são novos. O que é novo, e preocupante, é não sermos capazes de ter um conceito estratégico português ou ser sequer capazes de falar sobre isso. 

Quais são os valores matriciais da identidade portuguesa? Qual o lugar de Portugal na ordem internacional e no concerto das nações? Quais são os vectores estratégicos para o desenvolvimento do país? Como é que abordamos como nação as mutações e os desafios globais? Qual é o nosso objectivo como comunidade de vida e de destino? As perguntas são de resposta complexa.

Mas o consenso sobre a necessidade de as discutir não deveria ter nada de estranho. A subserviência a agendas mediáticas que se comprazem na espuma dos dias, aliada à pressão uniformizadora da União Europeia e à incapacidade da classe política para criar tempo e espaço próprios para o diálogo, tem obstruído a possibilidade de discutirmos o que queremos ser como país e como nação. 

Esta discussão torna-se tão mais urgente quanto a possibilidade de derrocada do projecto europeu deixou de ser assunto tabu. Portugal precisa de criar aquilo a que Adriano Moreira chama “janelas de liberdade”. A CPLP e a extensão da plataforma continental são duas dessas “janelas de liberdade” identificadas pelo professor e que, com a devida materialização política, mais podem contribuir para o fortalecimento da posição de Portugal. 

Como uma das maiores nações marítimas do continente, Portugal está na linha da frente para ser o pé atlântico na aparentemente expansionista estratégia europeia – recorde-se, por exemplo, que a Europa está a negociar a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com os EUA, que deslocaria o centro da Europa para sul. É crucial que a diplomacia portuguesa se bata por uma Europa policêntrica, com vários centros de decisão e competências especializados, contra o centralismo de Bruxelas.

Mas não podemos esperar que seja esta a fazer o que só nós podemos. E o tempo de fazer era ontem. A oportunidade de discutir o conceito estratégico português não pode mais ser adiada. Porque mais do que representar a perda de oportunidade para o país, isso representa o aumento da fragilidade nacional perante os imprevistos que teimam em cruzar-se com o caminho da Europa. 

Escreve à quarta-feira

Ainda há lugar para uma Ínclita Geração?


Os feitos da “Ínclita Geração” parecem ser apenas memórias de um tempo distante, e os constrangimentos que o país vive no século XXI não são novos.


A contagem decrescente para as eleições já começou. Daqui em diante, até às legislativas, sobram apenas dois tempos: o de férias e o de campanha. Nenhum dos dois é particularmente fértil para debater ideias de forma profunda e serena. Do que já se viu até agora no debate político, há algumas boas ideias, muitas medidas avulsas e programas mais ou menos realistas. À esquerda e à direita, não obstante, continua a faltar o essencial para a afirmação do país nestes tempos de turbulência: uma visão integrada e suprapolítica para o futuro de Portugal. 

A última vez que Portugal teve um conceito estratégico nacional digno desse nome, ou seja, um horizonte de realização onde se cruzam e equilibram as componentes estratégica, económica, social e cultural, foi há quase 500 anos. A culpa foi daqueles a quem os poetas chamaram “a mais espectacular gesta do Ocidente Cristão”, formada por príncipes de enorme valor militar e donos de uma mundividência fora do habitual para a época.

Camões chamou-lhes, justamente, a Ínclita Geração. Henrique, o grande empreendedor dos Descobrimentos, foi o símbolo de uma geração a todos os títulos notável que compreendeu que a viabilidade de Portugal estava ameaçada se a nação fosse confinada à sua dimensão continental. É da Ínclita Geração que brota a opção marítima portuguesa. Escusado será dizer que esta foi uma opção que mudou o curso da história. Da nossa e do mundo. Criou-se um império luso-mundista. 

Os feitos da Ínclita Geração parecem ser apenas memórias de um tempo distante. Mas não podemos perder de vista que os constrangimentos que o país vive no século XXI não são novos. O que é novo, e preocupante, é não sermos capazes de ter um conceito estratégico português ou ser sequer capazes de falar sobre isso. 

Quais são os valores matriciais da identidade portuguesa? Qual o lugar de Portugal na ordem internacional e no concerto das nações? Quais são os vectores estratégicos para o desenvolvimento do país? Como é que abordamos como nação as mutações e os desafios globais? Qual é o nosso objectivo como comunidade de vida e de destino? As perguntas são de resposta complexa.

Mas o consenso sobre a necessidade de as discutir não deveria ter nada de estranho. A subserviência a agendas mediáticas que se comprazem na espuma dos dias, aliada à pressão uniformizadora da União Europeia e à incapacidade da classe política para criar tempo e espaço próprios para o diálogo, tem obstruído a possibilidade de discutirmos o que queremos ser como país e como nação. 

Esta discussão torna-se tão mais urgente quanto a possibilidade de derrocada do projecto europeu deixou de ser assunto tabu. Portugal precisa de criar aquilo a que Adriano Moreira chama “janelas de liberdade”. A CPLP e a extensão da plataforma continental são duas dessas “janelas de liberdade” identificadas pelo professor e que, com a devida materialização política, mais podem contribuir para o fortalecimento da posição de Portugal. 

Como uma das maiores nações marítimas do continente, Portugal está na linha da frente para ser o pé atlântico na aparentemente expansionista estratégia europeia – recorde-se, por exemplo, que a Europa está a negociar a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com os EUA, que deslocaria o centro da Europa para sul. É crucial que a diplomacia portuguesa se bata por uma Europa policêntrica, com vários centros de decisão e competências especializados, contra o centralismo de Bruxelas.

Mas não podemos esperar que seja esta a fazer o que só nós podemos. E o tempo de fazer era ontem. A oportunidade de discutir o conceito estratégico português não pode mais ser adiada. Porque mais do que representar a perda de oportunidade para o país, isso representa o aumento da fragilidade nacional perante os imprevistos que teimam em cruzar-se com o caminho da Europa. 

Escreve à quarta-feira