Copos vazios. Sobretudo isso, espalhados por tudo quanto é mesa de apoio e suporte que serve o efeito. Mal a janela panorâmica – que deixa adivinhar os socalcos vinhateiros, lá fora – dá permissão à luz para entrar, surgem as empregadas para apagar os vestígios da noite anterior.
Estamos na sala de estar da família Hilton, onde vem desaguar o pós-jantar, sobremesa em forma de vinho do Porto e, não sendo Natal, abre-se a estrela maior da adega, aquela garrafa que estava guardada para o sócio que quisesse juntar--se aos três irmãos – Regina (Luísa Cruz), Ben (Virgílio Castelo) e Óscar (Marco Delgado) – a fim de expandir o negócio. Como se o dinheiro não chegasse, como se o poder, as correlações familiares inerentes à questão “Quem é que manda aqui, afinal?” urgissem resposta imediata. “As Raposas” é a adaptação da peça “The Little Foxes” que a norte-americana Lillian Hellman escreveu em 1939 e que João Lourenço leva ao palco da Sala Azul do Teatro Aberto, a partir de hoje.
É um drama que nasce de circunstâncias recentes, aquelas que destronaram bancos e os sujeitos que a estes estão adjacentes. Comissões de inquérito e afins, aquelas cujos nomes não precisam de ser referidos e que serviram de mote a João Lourenço. “O ano passado, com as coisas que aconteceram com os bancos e, principalmente, com as famílias a desmoronarem-se e a comerem-se umas às outras, comecei a pensar com a Vera [San Payo de Lemos] que esta peça da Lillian Hellman, que já conhecíamos, vinha mesmo a calhar”, afirma.
Episódios que, neste caso, até motivaram uma alteração do nome da peça original de Hellman. Sim, que nada disto se apresenta numa escala de pequena dimensão, bem pelo contrário. “Demos o nome de ‘As Raposas’. Deixámos cair o ‘little’ [o título original da peça é “The Little Foxes”] porque aqui são mesmo raposas. Estamos muito sentados a ver como é que roubam a TAP, a EDP. Estão a vender-nos e nós não agimos. Os franceses, os gregos, os espanhóis, esses ainda fazem qualquer coisa”, diz João Lourenço.
A assinatura de um contrato bilionário é o ponto de partida de um enredo que segue ao ritmo dos jogos de bastidores de Regina, o elemento feminino desta tríade que pretende deixar de ser neutra e tornar-se o alfa da família. Tem em si a vantagem de os dois irmãos precisarem do investimento do seu marido, Henrique (João Perry), que se encontra num estado de saúde crítico e que de burro não tem nada, que é igual a dizer que não vai aparar os golpes de ninguém.
O diz-que-disse e o fez-que-não-fez logo se apressa a desordenar uma família com muito pouco amor próprio – história que permanece intacta e sofre apenas algumas actualizações obrigatórias, como qualquer sistema operativo. “Teríamos sempre de actualizar a peça para ela fazer sentido, visto que é de 1939. A acção pode ser cá, em Espanha, sabemos que é no norte, onde há dinheiro. Depois fomos para as vinhas, o algodão já não nos diz nada. Tivemos algumas conversas com a Helena Garrido e com o ‘Jornal de Negócios’ a propósito dos vinhos e do problema das acções, questões técnicas, no fundo. Colocámos um ou outro telemóvel, para se perceber que é hoje, mas não quisemos carregar nisso, o âmago da história continua lá.”
O desfecho é dramático, tanto quanto o daqueles senhores acima referidos. Pensando bem, talvez este seja pior.
Até 26 de Julho; de quarta a sábado às 21h30, domingos às 16h; bilhetes a 15 euros