Três contos para uma visão da comédia

Três contos para uma visão da comédia


Gabriel Abrantes junta três dos seus filmes no ciclo “Pã, não chora não”.


Gabriel Abrantes tem dado que falar, quer pelo número surpreendente de filmes que fez em poucos anos, quer pelos prémios conquistados em importantes festivais de cinema. Com 31 anos e formação em Cinema e Artes Visuais, pela Cooper Union, em Nova Iorque, foi pela vontade de se libertar de limitações que o processo de pintura lhe trazia que o realizador começou a dedicar-se à sétima arte. Isso permitiu-lhe também tirar um pouco do ego do artista. “Comecei a fazer cinema porque é uma maneira de fazer arte menos individualista”, explica a propósito dos filmes que dirigiu a meias com outros realizadores. É o que acontece em “Liberdade”, realizado em colaboração com Benjamin Crotty,  e um dos três filmes que fazem parte do ciclo “Pã, Não Chora Não”. “Taprobana” e  “Ennui Ennui” são os outros dois contos escolhidos para esta amostra do trabalho de Gabriel Abrantes, que estreia hoje, no Cinema Ideal, em Lisboa (onde fica até 10 de Junho), passando pela Casa das Caldeiras, em Coimbra, amanhã, e pelo Cinema Passos Manuel, no Porto, no sábado.

“É a primeira vez que faço uma exibição comercial dos meus filmes e só dos meus filmes”, diz o realizador.

O projecto começou em França, com uma distribuidora local que se interessou em levar às salas a obra do cineasta português nascido nos Estados Unidos. Mas entre tantos filmes, como se chegou a este trio? “O ‘Ennui Ennui’ e o ‘Taprobana’ eram os mais recentes e funcionavam bem. Tinham estas temáticas de serem em antigas colónias, ou do chamado ‘subglobal’, e depois estávamos a ver que outro filme se poderia enquadrar. O ‘Liberdade’ acabou por ser o escolhido, também por dar um contraponto. É um bocado mais sóbrio que os dois outros, que são num registo quase burlesco”, explica Gabriel Abrantes.

Com mais ou menos ironia e comicidade, o realizador centra o seu trabalho em conteúdos que envolvem relações de força e de poder entre países e histórias sobre a raça e a sexualidade. Seja “uma antiga colónia portuguesa, francesa ou a relação dos Estados Unidos com o resto do mundo”.

No caso de “Taprobana”, curta-metragem seleccionada para a Berlinale e que se centra no exílio de Camões, com o Sri Lanka como cenário, o realizador partiu de cartas escritas pelo poeta para desconstruir o mito. “Encontrei um texto do escritor Helder Macedo sobre estas cartas. Fui pesquisá-las e comecei a construir para mim uma história engraçada sobre Camões. A carta que determinava a sua ida para o exílio mostrava um lado boémio e rufia e depois descobri as outras”. A partir daí viu então uma personagem clássica da comédia, “um Chaplin que escreve poesia incrível”, mas com um lado misógino, racista e moralmente incorrecto.

Essas desconstruções, onde comédia e crítica se aliam, são para continuar. A nova longa-metragem que está a preparar é uma paródia aos reality shows estilo Kardashians e também está nos planos do realizador fazer um projecto de comédia para televisão.  Gabriel Abrantes continua a achar que “a comédia é uma das ferramentas políticas mais fortes que pode haver”.