Dos dois dias de visita à região autónoma, Pedro Passos Coelho trouxe uma garrafa de vinho da Madeira da colheita de 64, o ano em que nasceu. Oferta do líder regional, Miguel Albuquerque, que deixou o primeiro-ministro curioso. Afinal na sua região de origem (a demarcada do Douro), esse ano foi “péssimo para o vinho do Porto”. Ver-se-á como sai aquela colheita do vinho regional e já agora a outra, a da vindima eleitoral que Passos escolheu começar em terreno amigo: a Madeira politicamente renovada, com o seu amigo de juventude Miguel Albuquerque ao comando.
A estrada ainda é longa, mas o ritmo já vai avançado. Nos últimos dois dias (na realidade a visita não chegou a 48 horas), gabinete do governo regional e gabinete do primeiro-ministro fizeram cumprir um programa intenso, com uma cadência média de iniciativas de 20 minutos, que passou por Funchal, Caniçal, Porto Novo, Ribeira Brava, Ponta Delgada, Santana, Porto Santo (a segunda visita de um primeiro-ministro à ilha, o único foi Cavaco Silva). E o roteiro, sempre marcado pelas curvas e contracurvas das encostas madeirenses, incluiu visitas a empresas, instituições sociais, uma exploração agrícola, a zona franca, contactos de rua e uma mão cheia de promessas para a região, a cumprir ainda nesta legislatura.
Nada feito por acaso. As reivindicações já tinham sido conhecidas antes da viagem e as concessões foram ao seu encontro quase em pleno: novos preços e apoios para os voos entre Continente, Madeira e Porto Santo, estudo de um ferry para fazer a mesma ligação, desbloqueamento de 43 milhões de euros para abater dívida vindos do fundo de coesão regional e abertura para renegociar maturidades da dívida da Madeira.
Do que o governo regional pretendia, apenas o novo hospital levou nega. “Terá de ficar para a próxima legislatura”, justificou Miguel Albuquerque no final de duas horas de reunião entre governo da República e governo regional. No balanço final da visita continuava a considerar o projecto “prioritário”.
A conferência de imprensa foi parte do filme, em que o enredo já estava previamente preparado. O cenário foi o dos jardins da quinta sede do governo regional, quase 40 anos chefiado por Alberto João Jardim. Desceram pelo jardim até à varanda sobre o mar e em amena cavaqueira, parando junto das rosas e da gaiola das araras que o anterior inquilino deixou ficar. Um momento sobretudo para televisão registar e a tentar transmitir as diferenças em relação a esse passado: a ligação entre Pedro e Miguel é estreita e corre fácil. Aliás, Passos andou sempre lado a lado com o rosto da última vitória eleitoral do PSD.
A quatro meses das eleições, o líder social-democrata mantém o pensamento numa vitória eleitoral, mas essa é a parte que tenta esconder no bolso por esta altura; para fora pouco mais deixou passar que o discurso de governo, quase impeditivo, de aposta na internacionalização das empresas. Na Ribeira Brava, por exemplo, numa vista a uma empresa de tecnologias da informação, Passos desafiou o presidente a abrir o negócio a “capital alheio”, com o ministro da Economia Pires de Lima também a puxar para o mesmo lado. Mas do lado de lá o empresário resistia à ideia, cioso dos riscos para o seu negócio, contrariando a convicção de Passos, que insistiu: “Pode ser que daqui a uns anos esteja diferente.” “Deus queira que não!”, ouviu na resposta imediata.
Não houve tensões na terra social-democrata, mas nem por isso Passos deixou de ouvir a União de Sindicatos da Madeira à porta da Assembleia Legislativa Regional, nem uma minimanifestação à porta do Centro de Congressos de Porto Santo (ver caixa ao lado). Passos não ia à ilha desde o final da década de 80 – “ainda o Miguel Albuquerque tinha cabelo”, gracejou perante uma plateia à pinha – e um primeiro-ministro não a pisava há 23 anos.
Esteve na ilha nem três horas, passou pela praça central, distribuiu cumprimentos, foi aplaudido por uma sala cheia, passeou de autocarro turístico, promoveu a assinatura de um protocolo entre agricultores e o Hotel Pestana e foi lá que fez o balanço final da visita. Nem três horas. Por ali não esteve apenas o primeiro-ministro, mas também o candidato ao cargo. O discurso de campanha pode ter ficado no bolso, mas a acção nas ilhas foi sempre nesse sentido.