Passos Coelho reconduziu o governador do Banco de Portugal e, sem consultar o Partido Socialista, como seria de bom tom, enviou o assunto para ser votado no parlamento. Não o fez por capricho de autoritarismo ou esquecimento, fê-lo por convicção numa estratégia que segue como um radical religioso vive em função do que compreende dos livros sagrados.
O primeiro-ministro não se desvia de uma ideia de liderança forte, de um perfil impermeável às pressões. A recondução de Carlos Costa é mais uma peça do puzzle deste modus operandi. Não faltaram sequer as notícias publicadas em vários jornais, e amplificadas pelas televisões de que a própria ministra das Finanças não desejava essa solução. Por motivos diferentes, António Costa também se revoltou com tanto autismo; como era possível uma solução tão pouco consensual a tão pouco tempo das eleições? Como era possível condicionar o futuro desta forma?
Há uma dimensão da personalidade do primeiro--ministro que o explica. Não há quem não o reconheça como teimoso, obstinado e transmontano. Mas não se explica apenas por isso; Passos está convencido de que terá uma hipótese de ganhar as eleições se sublimar esses traços de personalidade. Por isso, o episódio do governador é apenas mais um numa lista de acontecimentos que têm essa marca distintiva.
Pela mesma razão, divulgou ao país, através da biografia autorizada feita por uma assessora do PSD, que Paulo Portas se demitiu da governação e se preparava para trair o país por SMS. Por isso manteve o ministro Crato na Educação com este mundo e o outro a exigir a sua cabeça numa bandeja (meu Deus, como eu o fiz). Por isso privatizará a TAP a três meses das eleições e outra vez contra a opinião de António Costa. Ele faz o que não é correcto e não entra depois nas discussões mediáticas dos que se opõem. Quer transmitir a ideia de que salvou o país da bancarrota e continua a governar enquanto toda a gente “ladra” à volta. Acredita que as pessoas, no momento decisivo, gostam dos que querem, podem e mandam. Está a jogar bem e António Costa terá de inventar um antivírus eficaz.
Na convenção marcada para o próximo fim--de-semana, o PS aprovará o seu programa eleitoral e lançará a ideia de maioria absoluta. Presumo que o secretário-geral socialista aposte antes das eleições numa espécie de Estados Gerais protagonizados por gente reconhecida da sociedade civil. Costa precisa de fazer a discussão fora do ramerrame do dia-a-dia. Lucraria se o fizesse, lucraria se fugisse do corpo-a-corpo com Passos. Deve oferecer esperança e novas palavras aos portugueses. Com gente nova e uma ambição de conquista. Se o fizer, ganhará as eleições; se não o fizer, o PS desmembrar-se-á e o seu deserto não terá um fim à vista.