Passou uma semana sobre o embaraço de Guimarães. O subcomissário da PSP portou-se mal, teve um comportamento hediondo. Não é admissível que um oficial possa fazer o que vimos; a alguém na sua condição exige-se que esteja preparado para lidar com situações extremas. Falhou no seu trabalho, deve pagar o preço que a sua hierarquia decidir ser o justo – sabendo que a pressão da opinião pública determinará que seja a hierarquia a pagar um preço se porventura decidir o que o povo (logo, os políticos) não espera.
No entanto, mais do que o descontrolo do polícia, afligiu-me a abusiva generalização em relação ao comportamento das polícias. Comentadores, inquéritos, fóruns radiofónicos, reportagens televisivas e artigos de imprensa foram quase unânimes na leitura de que o comportamento do oficial de Guimarães era o modo típico de impor a ordem na PSP ou na GNR. Não sei se é ou não.
Mas sei que, no mesmo lugar, um outro polícia protegeu uma criança de nunca mais conseguir ser criança. Uma árvore não faz uma floresta, não pode fazer. No mesmo plano das imagens que chocaram o país coabitaram uma árvore doente e uma de frutos impecáveis, mas os nossos olhos transformaram a floresta numa totalitária erva daninha. Entre e o bom e o mau exemplo, entre a sombra e a claridade, escolhemos o pior possível. Talvez seja uma marca genética.
É um sintoma de um país doente. Os portugueses não confiam nos políticos, a quem tratam por “eles”. Não confiam nas polícias (que perderam a autoridade e são desautorizadas bastas vezes pela classe política). Não confiam nos tribunais e na máquina fiscal do Estado.
Um grupo alargado de cidadãos, não me admiraria que fossem a maioria, está convencido de que corre por sua conta e risco – um sentimento perigoso que convoca ideias irracionais e a soberba de pensarem que são virgens púdicas e ofendidas que, por obra e graça do Espírito Santo, nasceram melhores do que aqueles a quem criticam.
A câmara de televisão (deusa das deusas neste novo Olimpo) marcou o momento do polícia a bater num pai à frente dos filhos menores. E nos dias a seguir, o agredido desdobrou-se em entrevistas num espectáculo deprimente que diz bastante sobre o estado a que chegámos.
É uma sociedade onde quem não aparece na televisão é como se não existisse. O homem agredido passou a ser uma figura nacional, uma figura que terá uma duração de vida mediática de mais uma semana, se tanto.
Último aspecto, a festa do Benfica. O problema não é existirem celebrações colectivas, elas existem em todos os países civilizados do mundo. O problema é que as sociedades são um gigantesco barril de pólvora. Há uns dias escrevi sobre isso, sobre as cidades terem criado um exército de excluídos que não passam de marginais. As cabeças mais elaboradas (e perversas) podem alistar-se nos estados islâmicos desta vida. As cabeças mais ardilosas montam negócios de dinheiro sujo. E as mais básicas destroem o que em cada oportunidade puderem destruir. O que aconteceu no Marquês de Pombal pouco tem a ver com futebol, insegurança ou o comportamento da polícia. Tem a ver com marginalidade pura e dura. E com leis que não nos protegem dos vândalos que tornaram o futebol, e tudo o que envolva multidões, num risco potencial de morte. As claques de futebol continuam a existir, não é? Talvez seja uma pergunta demasiado complexa para ser respondida. Mas talvez pudéssemos começar por aí.