Diz-nos que se é para responder a perguntas à distância então o melhor é fazê–lo por escrito. Não nos parece nada mal. O homem é escritor, é cronista, ganha a vida a pôr as palavras certas nos sítios exactos. Fazendo bem as contas, é quase como ter uma crónica de Reinaldo Moraes mas sem pagar. Ninguém se sente mal porque há um livro para promover, ganhamos todos, ganha mais quem decidir lê-lo, seja aqui nestas páginas seja em “O Cheirinho do Amor”, o livro que reúne textos mensais sobre tudo – quase sempre com sexo à mistura, apenas porque é “natural que assim seja”, diz-nos. Acrescentamos nós: Moraes tem jeito para escrever sem sair da cama, é deixá-lo estar deitado. Mas atenção, que este livro que agora é publicado em Portugal não é um sucessor de “Pornopopeia”, o título que deu sucesso ao autor brasileiro. O regresso aos romances deve acontecer no próximo ano, com um “romanção maluco”, diz Reinaldo.
Dizia o Jô Soares antes de uma entrevista com o Reinaldo no ano passado: “Ele vê sexo em tudo.” Vê mesmo ou é fama?
É fama, do tipo má. A mesma má fama, talvez, que Freud angariou quando passou a ver sexo em tudo e em todos, até em recém-nascidos. Esse sim, via sexo em tudo, menos naquele charutão que não tirava da boca. É dele a conhecida frase: “Às vezes um charuto é apenas um charuto.”
Na verdade, parece que é algo fora da norma, quando devia ser rotina falar ou escrever sobre sexo. Isso ainda é visto como algo meio marginal?
Parece que o sexo é visto como uma zona de liberdade irrestrita capaz de enfurecer certos moralistas liberticidas. Isso desde os tempos em que se mandavam os libertinos para a fogueira ou para a Bastille. Mas a verdade é que sexo também dá pano pra conversas ociosas e lúdicas, que não raro viram crónicas de revista, como é o meu caso.
Pensa muito antes de escrever uma crónica? Ou pensa depois, revê, corta, escreve de novo? É deixar correr a tinta?
Depois de quatro anos escrevendo crónicas mensais com temática sexual em chave humorística, digamos que acabei pegando o jeito da coisa. Mas em geral preciso de três dias pra tirar uma crónica da cartola: o primeiro pesquisando o tema na internet e em livros, quando o danado já não me vem quase pronto no noticiário do jornal; o segundo deixando correr a tinta livremente, como diz você, em busca de todo tipo de associações e analogias com outros temas e factos; e o terceiro dia limando, polindo e pondo o texto na medida das duas páginas a que tenho direito na revista “Status”.
Tudo isto quer dizer que o Reinaldo é observador, certo? É um vício, ver como se comportam as pessoas?
Observar os outros é apenas um hábito profissional, no caso. Vícios cultivo outros, quiçá mais interessantes.
Além disso, é leitor atento de jornais. Porque também é difícil ter sempre algo sobre que escrever?
Sim, leio tudo da imprensa que me cai à mão. E quando não cai vou atrás e acabo achando. O “quem procura acha” parece um cliché cunhado à perfeição para esses tempos internéticos que vivemos.
Alguma vez pensou em escrever mais sobre si próprio, revelar mais de si nas suas crónicas, com histórias pessoais, directas, ou isso nunca vai acontecer?
Já fiz isso em várias crónicas. Em mais de uma revelei, por exemplo, detalhes algo escabrosos das minhas primeiras experiências sexuais com damas da vida airosa. Em outras faço a chamada “conficção”, mesclando memória e ficção, fórmula aliás muito usual entre escritores.
Porquê um livro de crónicas e não um romance? Para quando esse romance?
Estou na recta final de um romanção maluco que deverá se chamar “Maior Que o Mundo”. Mas é para o ano que vem. Aguardem. Sentados.
Parece-lhe que o Brasil é especialmente propício à escrita de crónicas, é uma boa fonte de inspiração? Ou isso poderia acontecer em qualquer outro local?
De facto surgiram aqui grandes cronistas na imprensa, desde pelo menos o final do século xix, com Machado de Assis e João do Rio, por sinal dois mestiços numa terra ainda muito marcada pela chaga da escravidão. A partir daí todos os grandes escritores brasileiros que eu aprecio foram grandes cronistas de jornal, como Oswald Andrade, Nelson Rodrigues e até poetas, como Manuel Bandeira. Hoje em dia a crónica “pura”, essencialmente literária, se confunde com o chamado artigo, que é por vezes opinativo e mesmo informativo, o que tem rendido peças interessantes, embora essencialmente datadas. Mas o grande cronista literário brasileiro, marco insuperável no género, é o Rubem Braga (1913-1990), de longe.
E dentro do Brasil, São Paulo é o melhor cenário para encontrar histórias e personagens?
Histórias e personagens há em qualquer buraco obscuro do planeta. Quantos encarcerados já não escreveram páginas magistrais tiradas da memória ou da imaginação? Cervantes foi um deles, já que parte do “Quixote” foi redigido numa prisão em Sevilha. O brasileiro Graciliano Ramos [“Memórias do Cárcere”] foi outro deles.
No site da Objetiva, sua editora no Brasil [através da Alfaguara], está escrito que o Reinaldo é “um dos autores mais originais da literatura brasileira”. Porque será?
Devo ter pagado uma cerveja pro gajo que escreveu isso, mas não lembro direito quem nem quando foi.
Que outros autores brasileiros segue?
Com a devida vénia pela soberba solipsista, devo dizer que não sigo autor nenhum. Nem gosto de ser seguido. Um escritor tem de lutar contra suas influências, pra não virar um papagaio de pirata a repetir fórmulas aleluias. E, de quebra, é sempre saudável cagar na cabeça dos epígonos, para não viver rodeado de um séquito de puxa-sacos.
Quando começou a escrever foi mais por causa de livros que lia ou foi pelos jornais, pelas crónicas? O que prefere ler, se puder escolher?
Como disse, leio de tudo. Mas foram certamente os livros que me perverteram a ponto de me fazer querer virar um fazedor de livros. Mas os livros, como sabemos, estão de saída nessa paisagem cultural saturada de dígitos. E eu também estou de saída, aliás, do alto dos meus 65 anos.