Daria jeito a Sócrates que Passos ganhasse as eleições


António Costa apresentou o programa eleitoral do Partido Socialista, que meteu José Sócrates (mais que o socratismo) numa gaveta. É o que se depreende da proposta que põe a aprovação de obras públicas dependente de dois terços dos deputados na Assembleia da República. Não o achando bastante, e para que não restassem quaisquer dúvidas, afirmou…


António Costa apresentou o programa eleitoral do Partido Socialista, que meteu José Sócrates (mais que o socratismo) numa gaveta. É o que se depreende da proposta que põe a aprovação de obras públicas dependente de dois terços dos deputados na Assembleia da República. Não o achando bastante, e para que não restassem quaisquer dúvidas, afirmou pretender fundar um Conselho Superior de Obras Públicas.

É um reconhecimento implícito de que o PS de Sócrates não saiu imaculado aos olhos dos portugueses do uso dos dinheiros do Estado. Um reconhecimento de que os portugueses não compraram a sua inocência. 

José Sócrates completa amanhã seis penosos meses na prisão. Mais uma vez não deve ter ficado satisfeito com o seu ex-ministro. Certamente não imaginaria que António Costa pudesse não o defender e agora ostracizar. Não tenhamos dúvidas, foi isso que aconteceu.

O secretário-geral do PS quis matar o assunto com um pesado parágrafo. Reconhecendo a estratégia de Passos Coelho de ligar o PS ao despesismo, ao mau uso dos dinheiros públicos e, indirectamente, a práticas de corrupção (referências encapotadas ao ex-primeiro-ministro), Costa quis tornar claro que o seu PS é diferente. 

Há um paradoxo com sentido.

É que neste momento, tendo os dados sido lançados desta forma, Sócrates não tem qualquer vantagem pessoal em votar no Partido Socialista nas próximas eleições. Se António Costa ganhar as legislativas, o ex-primeiro-ministro é passado sob todas as formas e em todos os ângulos possíveis.

O mais extraordinário é que o seu futuro político, por ténue que pareça, está ligado a Passos Coelho. Só uma vitória da coligação no poder, só um triunfo do PSD e do CDS poderá assegurar que um dia, mesmo que longínquo, Sócrates possa voltar a aparecer como D. Sebastião redimido numa manhã de nevoeiro.

É um programa de esquerda, disso há poucas dúvidas. Separa as águas e opta por um caminho alternativo que o actual governo não tardará a associar a uma ideia de despesismo e dependência do Estado. Num determinado sentido é “conservador”, uma tendência da esquerda europeia na última década – aposta na conservação do Estado social, no Sistema Nacional de Saúde, nos direitos adquiridos.

Vinte e uma medidas para 21 causas, está escrito. Curiosa a referência ao simplex no ambiente, legado de Sócrates que João Tiago Silveira, protagonista da política de desburocratização nos últimos governos socialistas e coordenador do programa ontem apresentado, deverá ter querido incluir. 

Destaco a reforma da lei eleitoral, com círculos uninominais sempre adiados, e a ideia-bandeira de um banco ético que proteja famílias endividadas. António Costa teve ainda um acto de boa vontade com António José Seguro ressuscitando a ideia de uma conta corrente entre o Estado, o cidadão e as pequenas empresas. Lançou também quotas para mulheres nas administrações das empresas públicas e adopção por casais do mesmo sexo. 

Uma estratégia que pretende atingir gregos e troianos. Primeiro, o lançamento das ideias dos economistas. Objectivo: obter o aplauso dos patrões e tranquilizar o centro político. Agora um programa de esquerda na ideologia e nos costumes. Objectivo: ter o aplauso dos descontentes, dos desprotegidos e dos que acreditam que o Estado é a única saída possível.

Um pouco mais tarde, talvez na convenção, pedirá a maioria absoluta. Quadratura do círculo temperada pelo pragmatismo de um António Costa, que fará o que tiver de fazer para concretizar o objectivo. José Sócrates que o diga.

Daria jeito a Sócrates que Passos ganhasse as eleições


António Costa apresentou o programa eleitoral do Partido Socialista, que meteu José Sócrates (mais que o socratismo) numa gaveta. É o que se depreende da proposta que põe a aprovação de obras públicas dependente de dois terços dos deputados na Assembleia da República. Não o achando bastante, e para que não restassem quaisquer dúvidas, afirmou…


António Costa apresentou o programa eleitoral do Partido Socialista, que meteu José Sócrates (mais que o socratismo) numa gaveta. É o que se depreende da proposta que põe a aprovação de obras públicas dependente de dois terços dos deputados na Assembleia da República. Não o achando bastante, e para que não restassem quaisquer dúvidas, afirmou pretender fundar um Conselho Superior de Obras Públicas.

É um reconhecimento implícito de que o PS de Sócrates não saiu imaculado aos olhos dos portugueses do uso dos dinheiros do Estado. Um reconhecimento de que os portugueses não compraram a sua inocência. 

José Sócrates completa amanhã seis penosos meses na prisão. Mais uma vez não deve ter ficado satisfeito com o seu ex-ministro. Certamente não imaginaria que António Costa pudesse não o defender e agora ostracizar. Não tenhamos dúvidas, foi isso que aconteceu.

O secretário-geral do PS quis matar o assunto com um pesado parágrafo. Reconhecendo a estratégia de Passos Coelho de ligar o PS ao despesismo, ao mau uso dos dinheiros públicos e, indirectamente, a práticas de corrupção (referências encapotadas ao ex-primeiro-ministro), Costa quis tornar claro que o seu PS é diferente. 

Há um paradoxo com sentido.

É que neste momento, tendo os dados sido lançados desta forma, Sócrates não tem qualquer vantagem pessoal em votar no Partido Socialista nas próximas eleições. Se António Costa ganhar as legislativas, o ex-primeiro-ministro é passado sob todas as formas e em todos os ângulos possíveis.

O mais extraordinário é que o seu futuro político, por ténue que pareça, está ligado a Passos Coelho. Só uma vitória da coligação no poder, só um triunfo do PSD e do CDS poderá assegurar que um dia, mesmo que longínquo, Sócrates possa voltar a aparecer como D. Sebastião redimido numa manhã de nevoeiro.

É um programa de esquerda, disso há poucas dúvidas. Separa as águas e opta por um caminho alternativo que o actual governo não tardará a associar a uma ideia de despesismo e dependência do Estado. Num determinado sentido é “conservador”, uma tendência da esquerda europeia na última década – aposta na conservação do Estado social, no Sistema Nacional de Saúde, nos direitos adquiridos.

Vinte e uma medidas para 21 causas, está escrito. Curiosa a referência ao simplex no ambiente, legado de Sócrates que João Tiago Silveira, protagonista da política de desburocratização nos últimos governos socialistas e coordenador do programa ontem apresentado, deverá ter querido incluir. 

Destaco a reforma da lei eleitoral, com círculos uninominais sempre adiados, e a ideia-bandeira de um banco ético que proteja famílias endividadas. António Costa teve ainda um acto de boa vontade com António José Seguro ressuscitando a ideia de uma conta corrente entre o Estado, o cidadão e as pequenas empresas. Lançou também quotas para mulheres nas administrações das empresas públicas e adopção por casais do mesmo sexo. 

Uma estratégia que pretende atingir gregos e troianos. Primeiro, o lançamento das ideias dos economistas. Objectivo: obter o aplauso dos patrões e tranquilizar o centro político. Agora um programa de esquerda na ideologia e nos costumes. Objectivo: ter o aplauso dos descontentes, dos desprotegidos e dos que acreditam que o Estado é a única saída possível.

Um pouco mais tarde, talvez na convenção, pedirá a maioria absoluta. Quadratura do círculo temperada pelo pragmatismo de um António Costa, que fará o que tiver de fazer para concretizar o objectivo. José Sócrates que o diga.