José Sócrates está preso preventivamente há seis meses. Não vou nem quero fazer juízos de valor, mas o processo liderado por Carlos Alexandre e Rosário Teixeira só tem duas maneiras de acabar: mal ou tragicamente. É a grande fragilidade do ex-primeiro-ministro; a sua inocência, a ser provada em tribunal, atingirá fatalmente a separação de poderes, ferirá de morte a democracia.
Todos estaremos de acordo num ponto. É necessário (esperamos) que os indícios tenham especial gravidade para se prender um homem como Sócrates. Presumimos que exista essa convicção absoluta, que o juiz Carlos Alexandre a tenha, a convicção de que qualquer coisa que não seja a culpa deste suspeito destruirá a sua carreira, mais a do procurador, a da procuradora-geral da República e de quem mais surgir no caminho.
A sua prisão, segundo facto, não desencadeou a solidariedade colectiva. António Costa foi muito claro desde o primeiro dia: a partir de agora todos caladinhos, decretou por SMS aos camaradas socialistas. À justiça o que é da justiça, à política o que é da política – individualmente todos podiam mostrar a sua amizade, mas enquanto militantes do PS não o poderiam fazer, as coisas tinham de acontecer segundo as regras do jogo democrático. Sócrates teve razão para ficar furioso. Presumia que o partido o defenderia de uma outra maneira, talvez acreditasse que deveria ter tido um outro tipo de solidariedade da parte de Costa, que, também legitimamente, concluiu que qualquer contacto com Sócrates o contaminaria negativamente. Morreria com Sócrates se não o deixasse morrer. Metaforicamente.
Existe a percepção de que a maioria dos portugueses acredita na culpa do ex-primeiro-ministro. É demasiado dinheiro, demasiada ostentação, demasiada confusão, são demasiadas pontas soltas. Poucos acreditarão nele e os que acreditam – com excepção de Mário Soares, para quem o tema se tornou obsessivo – são politicamente inexpressivos. Quase todos se calaram, porventura a maior dor para o homem que se definiu a si próprio como um animal feroz.
É uma situação complexa, que, sem paradoxo, é de uma enorme simplicidade. A maior de todas as fragilidade de Sócrates é que qualquer outro cenário que não a sua culpa é mais grave para o regime que a sua inocência. No dia em que saísse do tribunal como inocente, o custo seria altíssimo. Esta é a questão central desde o início do processo; a sua culpa fará com que o país lamente profundamente que um primeiro-ministro tenha traído a sua confiança, mas a sua inocência fará com que a democracia seja corrompida por uma dúvida que trará o caos e a incerteza. Não há meio-termo. No primeiro caso, a democracia fortalecer-se-á. No segundo, ficará envenenada.
É injusto? Só se Sócrates estiver inocente. Tudo isto explica e é uma razão suficientemente forte para que toda a sua argumentação seja remetida para um campo político. Assume-se como um prisioneiro político e dali não sairá. Joga bem, é a única jogada possível. Porque no dia em que não conseguirem provar a sua culpa sairá em ombros do povo e muitos estarão dispostos a fretar-lhe uma chaimite. Não é coisa que se deseje. Não há coisa que mais deseje.