Eduardo Souto de Moura. “Bom designer é aquele que resolve os problemas das pessoas”

Eduardo Souto de Moura. “Bom designer é aquele que resolve os problemas das pessoas”


Está a trabalhar para a Barragem do Tua, ao mesmo tempo que Siza Vieira vai até Nápoles inaugurar o metro que também tem a sua assinatura.


Quando Eduardo Souto de Moura aterra no Porto, o trânsito pára. Hipérbole que esperemos que o leitor perdoe, já que, afinal, não é todos os dias que a Invicta tem a honra de pôr a vista em cima de um dos seus filhos pródigos, um dos grandes arquitectos do país que, desta vez, vem em missão profissional, meio misturada com uma amizade que explica quase tudo. Conheceu Rui Alberto ainda não estávamos na década de 90, não se lembra bem como, mas recorda que esta é a quarta galeria que faz para o amigo. A Rui Alberto Galeria abriu ontem noQuarteirão das Artes (junto ao Palácio de Cristal) com a exposição “Rol 015”, sobre design e outras formas, onde Eduardo Souto de Moura assume o papel de comissário. Palavra de que não gosta, tal como tantos outros tiques internacionais, regras em excesso que aumentam as saudades do seu cantinho, aqui em Portugal. Vinte minutos de conversa que se teriam prolongado não fosse o tempo urgir.     

A sua relação com a Rui Alberto Galeria não é de agora…
Não. Esta é, penso, a quarta galeria que faço com o Rui Alberto. Ele foi mudando de sítio, mudando de projectos, mudando de situações económicas e financeiras e, curiosamente, manteve-se sempre fiel ao arquitecto. Quando, desta vez, ele me explicou o conceito deste projecto, em condições muito diferentes dos anteriores, aderi de imediato, sobretudo devido à nossa amizade. Diga-se ainda que, dentro das suas possibilidades, deu-me carta-branca para fazer este projecto. É um projecto feito a dois. 
 

Como é que se conheceram? 
Já não me lembro, não sei ao certo. Foi há muitos anos, ele apareceu-me no escritório, ou ele tinha uma galeria de molduras e eu fui lá encaixilhar um quadro qualquer… Não me lembro de quando o conheci, mas ficámos amigos. 

Essa amizade explica o facto de alguém com a sua agenda e toda a sua vida lá fora ter parado para vir ao Porto? 
Não, fiz isto com gosto. E as coisas têm de ser claras: não posso prejudicar o Rui Alberto, então fiz uma exposição em que tive tempo livre, em que me dediquei a isto. As pessoas, quando estão interessadas e gostam, é meio caminho andando. 

Como resumiria o projecto?
Talvez como um projecto muito ingrato, porque lhe disse que não íamos tocar nas paredes, fica tudo igual, poupa-se dinheiro e usa-se noutras coisas. E ele disse: “Mas não é uma vergonha apresentar uma loja assim?” E eu disse para ele não se preocupar que há muitos sítios que fazem isto, o MUDE, em Lisboa, algumas casas em Nova Iorque. Quanto mais neutra for a envolvente, mais os objectos sobressaem. As coisas correm bem quando as pessoas se entendem.

O que poderemos encontrar nesta exposição?
Quando o Rui Alberto me disse que queria fazer uma loja de móveis e uma galeria, disse-lhe que os pintores de que gosto são estes e o arquitecto de que gosto, fundamentalmente, é o Siza. Como não é fácil encontrar móveis do Siza, não há lojas que o vendam, acho que devíamos ter uma exposição sobre as obras do Siza. Entretanto, alguém soube do projecto e disse que Câmara de Matosinhos estava a fazer uma exposição sobre o Siza. Até que o próprio Siza surgiu e disse: “Não façam duas exposições seguidas sobre mim, isso é uma overdose.” Então dissimulei a exposição acrescentando três ou quatro nomes, meia dúzia de objectos meus, mais uns quantos do Adalberto Dias e um designer que está muito esquecido, especialmente no Norte, que é o Daciano da Costa. 

É assim que trabalha enquanto comissário, escolhe de quem gosta e são esses até ao fim?
É, posso dizer que fiz por gosto, sim. Fizemos várias reuniões, fomos ver os objectos, foi tudo feito com uma relação muito franca. 

Parece-lhe que, por ser o comissário, a exposição se torna mais apelativa para o público?
Isso de ser comissário é um termo pomposo. No fundo, foi um amigo que me disse que tinha um projecto e assim foi. Aliás, à luz das dificuldades económicas quer públicas quer privadas, alguns dos eventos baseiam-se nestas relações de amizade antigas, ou a coisa não era exequível. A obra nova está no estrangeiro; quanto a isso, nada a fazer. 

Estamos perante uma exposição de design. O Porto, à parte a sua arquitectura, é uma cidade especial nesse aspecto? 
Sim, sem dúvida. 

Porquê?
Em Lisboa há, fundamentalmente, o MUDE, e há um tipo de desenho mais vanguardista. O Porto é mais conservador, uma cidade com uma cultura muito própria nesse sentido. Há uma ligação desde o arquitecto Távora ao Siza, Adalberto, eu, há uma espécie de evolução na continuidade, para usar esta expressão marcelista. Usam-se materiais tradicionais, as madeiras, e aproveitamos a mão-de-obra de grande qualidade de Paços de Ferreira, dos grandes marceneiros. É algo que ainda conseguimos aqui no Porto, mas que em Lisboa é difícil, por exemplo. 

O que é fundamental para se ser para um bom designer?
Acho que um bom designer é aquele que resolve os problemas das pessoas. Não é o que faz coisas bonitas ou giras, é aquele que consegue resolver problemas inerentes às pessoas. Isto de comprar um móvel por ser giro ou um candeeiro para ter luz, ninguém precisa, é como comprar uma gravata. O estudo do design é ter necessidade de alguma coisa e resolver, é como uma terapia do corpo humano, vai ser o futuro. 

Em Portugal, os bons designers têm mercado ou têm de seguir os exemplos dos arquitectos e emigrar?
Para dizer a verdade, há uma certa falta de divulgação, mas a arquitectura portuguesa está a viver uma geração brilhante. Fala-se muito do Siza, eu também não me posso queixar. Não é por acaso que todos os grandes arquitectos são professores lá fora, conferências e assim, não me parece normal para um país com oito milhões de habitantes. A escola é boa, não me lembro de ter proposto um colaborador meu e um arquitecto recusar. Há qualidade e ainda bem que sobra isso. 

Quando falamos mais especificamente do design, a arquitectura pode ser uma decisão tardia?
Cada vez mais, ciência e arte estão ligadas. Há cientistas que falam de pintura e artistas que falam do universo. Cada vez mais os campos se cruzam, cada vez se precisa de mais informação, não há nada exclusivo. Em relação ao design, para mim, é uma especificidade ligada a uma determinada escala. No fundo, fazer uma cómoda ou fazer uma casa, a diferença é a escala e as proporções. Aliás, os grandes arquitectos do século XX não eram arquitectos, eram engenheiros. 

Este regresso à colaboração com a galeria é também o regresso da galeria ao centro da cidade, 25 anos depois, em pleno “Bairro das Artes”. Que papel lhe parece que esta pode vir a ter?
Não é por acaso que os stands de automóveis estão todos juntos. Qualquer capital europeia tem uma avenida com as marcas todas. Há uma tendência de se juntar por bairros. Em Lisboa, as antiguidades estão sempre na Rua de São Bento; aqui, as galerias estão ali na Miguel Bombarda. Esta é uma galeria que não é bem uma galeria de pintura, mas também não é uma loja de móveis, no sentido daquelas marcas nórdicas. Acho que faltava uma galeria de grande divulgação, desta dimensão. 

Presumo que seja diferente a forma como olha o Porto actualmente, enquanto arquitecto…
É evidente que gosto de trabalhar é em Portugal. Não gosto de trabalhar lá fora, sujeito a regras, a circuitos comerciais que não conheço nem domino. Aqui, um tipo está atrasado com uma obra e vai falar com o presidente da câmara. Na Alemanha não funciona dessa maneira e nós somos feitos para os sítios a que pertencemos. Para o bem e para o mal, o meu sítio é este. 

Mesmo estando lá fora, trabalha com a mesma intensidade actualmente?
O meu exemplo é o Siza, que foi hoje para Nápoles inaugurar o metro que começámos a fazer há dez anos. Se ele, com 82 anos, vai, vou ser eu com 62 que não vou? Portugal, em certa medida, está a aproximar-se da Europa, mas com isso também chegam as desvantagens. É tudo muito bonito, as energias e as energéticas, mas depois é só para inglês ver. 

Está patente em Düsseldorf uma exposição dedicada a si. É o género de iniciativa que não aconteceria se não tivesse ganho o Pritzker, em 2011?
Não posso mentir: o Pritzker não me alterou muito a vida profissional, não me entusiasmei ao ponto de pensar “isto agora é que vai ser”. Gostei muito de conhecer o Obama, foi muito prestigiante, mas o que é certo é que me chamam para alguns concursos e tenho trabalho lá fora por culpa do Pritzker… penso eu. 

Pode falar-nos dos projectos em que está envolvido agora?
Agora tenho um projecto em que estou muito envolvido, que é a Barragem do Tua. É um projecto de grande escala. Os últimos dessa dimensão que tive em Portugal foi o Metro do Porto e o Estádio do Braga. Mas agora estamos perante um projecto que envolve a alteração de território, de uma geografia, que envolve uma grande equipa. Não é um edifício, é o arranjo das margens, é construir centrais de captação de água, é um desenho no território. Estou muito entusiasmado e trabalho no fio da navalha por ser tão polémico. Também fui muito criticado aquando da construção do metro, mas hoje ninguém diz mal do Metro do Porto. Quando ganhei o Pritzker, o Obama falou do Estádio do Braga, não falou de mais nada. Era assim que gostava que terminasse a Barragem do Tua.