A cidade, que celebra este ano o seu 450.º aniversário, ergueu-se maravilhosa, fazendo jus à sua alcunha, e as ondas na Barra da Tijuca não foram, por enquanto, alvo das típicas reclamações. Os principais personagens do WCT tiveram o desempenho esperado, como se de o primeiro episódio de mais uma novela da Globo se tratasse. Todos os ingredientes na exacta medida foram lançados, obedecendo à fórmula comercial de sucesso mais que testada, e o plot promete.
Kelly Slater, que revelou ter passado mal a noite com insónias, fez o melhor score do dia (19.27), seguido de Adriano de Souza, actual líder do ranking. Apesar da ressaca do título mundial ainda ser notória, também Gabriel Medina passou directamente para a terceira ronda, embora com uma performance bem mais discreta em comparação com a espectacularidade a que nos habituou no ano passado. Jeremy Flores continua possuído, e ainda bem, depois de uns tempos ligado à máquina, saturado da rotina do circuito, segundo admitiu várias vezes.
Daniel Smorigo/WSL
Na praia o clima é de alegria, acima de tudo, por dois motivos: a maioria dos brasileiros, à excepção dos wildcards Alejo Muniz, Alex Ribeiro e David do Carmo, passou limpinho para a terceira ronda e, pela segunda vez consecutiva, o WCT chega a Brasil com a bandeira verde e amarela a liderar o ranking. A estrutura do campeonato cresceu significativamente do ano passado para este e exibe, nas paredes, o orgulho nacional. A praia está cheia, apesar de ser uma terça-feira, e garantimos que a Olegário Maciel, principal rua da Barra onde se concentram as lojas e restaurantes, virará uma festa assim que o sol se puser. Pela primeira vez na história, é a gigante das telecomunicações Oi que dá nome à etapa brasileira, após se ter estreado no surf no ano passado, patrocinando Medina.
QUEM NÃO GOSTA DE UMA BOA RIVALIDADE?
Embora Kelly seja sempre muito solicitado onde quer que esteja, Gabriel e Adriano são os mais requisitados pelos fãs para tirarem selfies e, enquanto o primeiro mantém a sua atitude meio autista, o segundo tem-se mostrado mais que disponível. A rivalidade entre ambos faz lembrar a existente entre os pugilistas Floyd Mayweather e Manny Pacquiao, comparação feita pelo jornalista carioca Julio Adler durante um jantar em Ipanema, e devidamente aprovada pelos ex-WCT Tiago Pires e Aritz Aramburu.
Ambos os sufistas e guerreiros ibéricos passaram pelo Brasil para competir na pequena cidade de Saquarema e, como perderam mais cedo que gostariam, vieram até ao Rio passar uns dias. O encontro ocorreu no mesmo dia em que o Canal Off, um pequeno tentáculo da gigante Globo, organizou uma festa privada para celebrar a estreia da terceira temporada do seu programa, Mundo Medina. Como num clube maçónico mas, provavelmente, com um terço do interesse, apenas as mesmas pessoas de sempre são convidadas para o coquetel e há namoradas de surfistas que se queixam da indelicadeza de propositadamente não colocarem os seus nomes na lista de “admitidos”. It’s Brazil, baby.
Tal como Mayweather, num patamar de celebridade quase inatingível, Gabriel, desde que aterrou no Brasil, tem andado com a agenda ocupada marcando presença em tudo quanto são programas de televisão de grande audiência. No seu Instagram há fotos com inúmeras celebridades e declarações descaradas de amor das fãs adolescentes. “Eu te amo”, “Casa comigo” são o prato do dia. Dá para percebermos assim que chega à praia pelos gritos delas. “MEDINAAAAAAA!!!!”
Kelly Cestari/WSL
Já Adriano, que não tem fotos para partilhar com apresentadoras de TV gostosas nem estrelas de futebol, foi dos primeiros a chegar à Barra e por várias vezes comeu sozinho nos restaurantes baratos da rua principal. Tal com Pacquiao, também ele é um underdog, um homem do povo, a quem qualquer um, tendo a noção de quem ele é ou não, o pode abordar para perguntar as horas ou outra coisa qualquer – ele, educadamente, irá responder. Para Alder, De Souza “poderia facilmente oferecer palestras de auto-superação em grandes empresas”. “É aquilo que Nietzsche teorizava como super-homem, o sujeito que se reinventa para alcançar o que julga ser o seu destino. Lutero. Napoleão.”
KNOCKOUT A raiva é uma emoção muito subestimada, disse Jim Morrison um dia, e ninguém melhor que Adriano para canalizar esse tipo de sentimentos a seu favor, positivando-os. Mineirinho (a sua alcunha) queria muito ter sido o primeiro campeão do mundo da história do Brasil, mas Gabriel acabou com esse sonho no ano passado. O knockout foi violentíssimo, seguramente dos agressivos da sua carreira, mas e felizmente, proporcional à determinação e resistência com que assaltou este ano o primeiro lugar do ranking.
“Ser campeão mundial não é um sonho ou uma coisa distante, sabe?”, disse-me há uns tempos Adriano. “O título mundial, nos últimos anos, tem estado bem próximo de mim. Faltam pequenos detalhes para o alcançar. Já fui líder do circuito, já pisei, já peguei nele, mas não o consegui agarrar. Falta bem pouco. Em breve, se Deus quiser, vou conseguir limar todos os erros que sempre cometo durante as etapas. Se eu conseguir alinhar tudo isso até ao final do ano, o título mundial vai vir”. Talvez 2015 seja o teu.
MINEIRO JÁ É CAMPEÃO
Foi em 2006 que um jovem de 17 anos mudaria de vez a dança das cadeiras da disputa pelo título mundial. Adriano de Souza chegou ao circuito como uma bomba e até mesmo Kelly, hoje um dos seus arquirrivais, o apontou como futuro campeão do mundo. Passados 40 anos de domínio anglo-saxónico a porta estava finalmente aberta para os estrangeiros. O facto de Mineirinho se apresentar como ameaça contínua aos medalhões de Parkinson, Fanning ou Slater abriu de vez as possibilidades para surfistas como o francês Jeremy Flores, o tahitiano Michel Bourez, e mesmo Tiago Pires, desrespeitarem a hierarquia estabelecida e reverterem a ordem. Citando Adler, “a novíssima geração de brasileiros que invadiu os top 32, Gabriel Medina, Filipe Toledo, Miguel Pupo, Jadson André & Cia., já não teme mais os grandes nomes dos posters que tanto admiraram na parede; eles querem é estar nas paredes dos australianos e norte-americanos para os próximos 40 anos”. E nessa luta daí, Adriano é campeão. Ele é primeiro comandante da tão falada Brazilian Storm.