A história surpreendeu:“Aprimeira pergunta que me vem à cabeça é como é que se põe um homem acusado de assédio à frente de uma equipa feminina!”;“Não faço ideia. Eisto depois do escândalo de racismo de David Stern [ex-comissário da NBA]. Agora um acusado de assédio sexual vai para presidente de uma equipa da WNBA?” A conversa decorreu esta semana entre um pivot da ESPN e a jornalista que noticiou a contratação de Isiah Thomas para presidente das New York Liberty, cargo que tomará além de uma participação no capital. “Que respeito é que ele terá?
Fomentou um clima de hostilidade entre as mulheres com quem trabalhou…” O regresso de Thomas ao universo da National Basketball Association (NBA), para a liga feminina, foi esta semana divulgado e a polémica não tardou.
Isiah Thomas foi uma das estrelas da NBA na década de 80. Asegunda escolha do draft de 1981, afirmou-se de imediato nos Detroit Pistons, tendo no ano seguinte conseguido a primeira de 12 presenças no All Star Game. Foi nos Pistons que passou toda a carreira, tendo conseguido dois títulos da NBA,em 1989 e 1990. Fechou a loja em 1994 com um currículo suficiente para lhe garantir um lugar no “50 Greatest Players in NBAHistory”, eleição de 1996.
“Que respeito é que ele terá? Fomentou um clima de hostilidade entre as mulheres com quem trabalhou…”
Terminada a carreira como jogador, veio a de comentador e a de empresário, não só na Isiah International LLC – capital de risco e investimentos em imobiliário – mas também na própria NBA:em 1994 ficou com uma fatia do capital dos Toronto Raptors, onde foi vice-presidente. Saiu em 1998, em ruptura com a nova administração. Nesse mesmo ano investiu 10 milhões de dólares na aquisição da CBA, a Continental Basketball Association, que é como quem diz a NBA dos pobres. Acabou por ficar ao leme da CBA até à falência desta, em 2001. Decidiu então ser treinador:três épocas nos Indiana Pacers (2001-02 a 2002-03)e duas nos New York Knicks (2006-07 e 2007-08), sem êxito. Os seus Pacers foram aos playoffs mas perderam sempre na ronda inicial e os seus Knicks nem aos playoffs chegaram. Enquanto treinador da NBA o melhor registo foi um 48-34 (Pacers de 2002-03)e o pior 23-59 (Knicks de 2007-08).
Tentou de seguida o basquetebol universitário, igualmente sem sucesso. Já fora do campo, havia um lado muito bem sucedido de Isiah Thomas:durante a carreira, pagou a universidade a mais de 75 jovens sem meios, criou uma fundação de apoio a famílias carenciadas e aplicou todo o salário anual da primeira época como treinador universitário em bolsas escolares. Isto num jogador que fez parte dos Bad Boys da NBA dos anos 80, tanto pelo estilo de jogo como pelas tiradas com que brindavam os adversários – como quando osPistons acusaram Larry Bird de só ser visto como “um grande jogador” por ser branco.
Foi depois da passagem pelos Pacers que Isiah Thomas se cruzou com osKnicks:primeiro foi nomeado administrador executivo da equipa em 2003 e em 2006 foi solução de recurso para o cargo de treinador. Em 2008 seria substituído em ambas as posições:não só pelo que não conseguiu fazer pela equipa, como pelo escândalo que rebentou em 2007 e sairia bem caro à Madison Square Garden (MSG), empresa que detém os Knicks: uma executiva da empresa, Anucha Sanders, acusou Isiah Thomas de assédio sexual, denúncia que apenas resultou no despedimento da queixosa. Ajustiça foi rápida e implacável: ainda em 2007, o júri concluiu que Isiah Thomas era culpado de assediar sexualmente Anucha Sanders e condenou a MSGa pagar 11,5 milhões de dólares em indemnização, 6 milhões dos quais à conta do “ambiente de trabalho hostil criado pelo Sr. Thomas”.
O regresso de Thomas ao universo da NBA, para a liga feminina, foi esta semana divulgado e a polémica não tardou
Apesar da condenação, ainda hoje tanto o ex-jogador como a empresa negam as acusações. Mas o caso continua a perseguir Isiah Thomas, como ficou claro pela reacção à entrada do ex-NBA no mundo da WNBA:“Vai ser o regresso deThomas ao basquetebol de Nova Iorque depois de um reinado que terminou de forma desonrosa no rescaldo do escândalo de assédio sexual”, comentou Chris Broussard, analista da NBA, esta quarta-feira. Há outros dois pormenores a ter em conta:não só o treinador das Liberty é Bill Laimbeer, um dos mais Bad dos Bad Boys dos Pistons dos anos 80, que partilhou anos a fio o balneário com Isiah Thomas, como também a equipa ser igualmente detida pela Madison Square Garden, donos dos Knicks. “Parece que a Madison Square Garden precisa sempre de ter Isiah Thomas na sua organização”, comentou o pivot que citámos no início do texto.
Apesar da vontade da empresa e da surpresa do anúncio, a hipótese de Thomas se sentar na presidência das Liberty e tomar parte do capital da mesma ainda não passa disso, de uma hipótese. É que a WNBA, tal como a NBA, tem um Board of Governors com poderes para vetar novos accionistas. Laurel Richie, presidente da WNBA, foi rápida a relembrar esse pormenor, reagindo à notícia com um simples: “A entrada de Isiah Thomas terá de ser aprovada pelo Board of Governors.” A história do assédio tem tido, por outro lado, uma vantagem para Isiah Thomas: não deixa espaço para que se fale da falta de êxito das suas anteriores ligações a administrações de equipas.