Há um problema de base numa parte dos que detêm o poder político, financeiro, económico, empresarial ou cultural. É um traço humano a que nenhuma categoria é imune – podem ser progressistas, conservadores ou liberais, mas quando toca ao poder e aos seus derivados, mesmo que seja o poder de levantar e baixar uma cancela, transformam-se em pessoas imunes à realidade.
Há uns largos anos existiria desculpa. O mundo era tradicional, o tempo corria mais lento, os homens no poder podiam perpetuar-se décadas e eram pressionados de uma outra maneira. Era um mundo com mais aldeias que cidades, um mundo tradicional onde o que existia não se discutia, problematizava ou punha em causa. Era uma sociedade ritualizada em princípios hierárquicos e numa imobilidade que travava a ascensão dos que habitavam nos baixios da pirâmide.
Hoje estas premissas não fazem sentido. Praticamente não há aldeias, as sociedades são cosmopolitas, o mundo é globalizado e, por definição, tudo pode e deve ser discutido e questionado, mesmo o que é ridículo. Toda a gente tem direito à opinião e pode dá-la, mesmo os que têm opiniões idiotas. É um tempo em que o consumidor é soberano, não precisa de ter poder para ter o poder de que precisa. O poder de pôr em causa, de desabafar, de libertar a bílis, mas também de confrontar os poderes nas suas contradições.
É por isso quase doentia a tendência de vários poderosos/influentes fazerem o que não devem, cometerem erros que ninguém entende por tão óbvios parecerem. Só se explica pela razão mais simples: o autismo profundo de quem acha estar acima da própria realidade. Como explicar que Passos Coelho elogie Dias Loureiro? Qualquer pessoa normal diria que talvez não fosse prudente fazê-lo, que a percepção do país é que o ex-ministro é um homem com demasiadas sombras e pode roubar votos a quem se está a recandidatar ao lugar de primeiro-ministro. Como explicar que o primeiro-ministro tenha apadrinhado um livro em que Paulo Portas é humilhado e imolado no altar dos imorais – como explicar que o tenha feito depois de ter celebrado há 15 dias um acordo de coligação? E como explicar também que António Costa envie um SMS a um jornalista que não conhece de parte alguma? Que raio poderia ganhar com aquela mensagem? Pessoas inteligentes fazem coisas estúpidas demasiadas vezes.
Um tema fascinante.
Termino com a TAP, um assunto sobre o qual tantos ofereceram opinião. Da greve dos pilotos nada a fazer, brutal, irresponsável, criminosa. Quanto à privatização, uma breve nota. O governo insiste em levar por diante uma operação que atropela um dever ético que deveria ser respeitado: o dever de esperar pelas eleições legislativas. Em Outubro o país escolherá um novo governo. E o líder de oposição, em todas as sondagens o mais bem posicionado para ser primeiro-ministro, está contra a privatização. Mandaria o bom senso que o governo, que teve toda uma legislatura para executar as suas políticas, esperasse pelas eleições, única maneira de respeitar a democracia e as regras do jogo.