A reedição da coligação PSD/CDS tem dez dias de existência, mas já tropeçou. E no mesmo momento passado de sempre. Ao recordar a crise política de 2013 (a da demissão “irrevogável” ), Passos Coelho disse ter sabido da decisão de Paulo Portas por sms, à tarde. Portas desmente e garante que foi “de manhã” e “naturalmente formalizado por carta”.
A história começa numa biografia autorizada de Pedro Passos Coelho, escrita por uma assessora do grupo parlamentar do PSD. Lá consta o episódio do Verão quente de 2013 em que o então ministro dos Negócios Estrangeiros se demitiu, mas contado pelo próprio primeiro–ministro. “Fui almoçar e quando ia a caminho da comissão permanente [do PSD], às 15h00, recebi uma SMS do Dr. Paulo Portas a dizer que tinha reflectido muito e que se ia demitir.” No sms enviado ao fim do dia de ontem com a nota de imprensa do CDS é dito que “Paulo Portas não falou com a autora do livro pelo que admite que a mesma tenha incorrido num lapso a que não atribui importância”. Mas a frase em questão não é da biógrafa, Sofia Aureliano, mas sim do biografado, o líder do PSD, Pedro Passos Coelho.
Na nota à imprensa, o CDS garante que Portas “não comenta nem valoriza a notícias surgidas a propósito da publicação do livro ‘Somos o que escolhemos ser’”, título da biografia em que Passos também atribui a Portas a saída de Vítor Gaspar do governo, depois de falar na alta tensão entre os dois. “OVítor Gaspar não vai aceitar ficar e eu, no lugar dele, também não aceitaria.”
Com o líder numa visita à Colômbia, durante o dia de ontem, o CDStentou refrear ânimos mais exaltados, apenas expressos em declarações em off em que o único que desalinhou foi Diogo Feio. Ao “Económico”, o vice-presidente do partido dizia que “era bom também que o livro dissesse de que forma o primeiro-ministro informou Paulo Portas sobre o nome da nova ministra das Finanças” – uma provocação que não foi repetida, com Feio a remeter-se ao silêncio o resto do dia.
Ao i, outro membro da comissão executiva do CDS admite que “se [a afirmação de Passos] tivesse sido antes do acordo de coligação, teria tido um impacto muito grande”, porque as negociações “estavam centradas numa articulação pessoal entre os dois”, argumenta. “Agora é uma coisa de memória, independentemente de ter sido assim ou não, de ser mais ou menos oportuno”, diz a mesma fonte. A coligação não fica em risco, mas apenas porque já está além do irrevogável encontro de vontades entre Pedro e Paulo, garantem os centristas que, ainda assim, ficaram incomodados com o timing desta publicação. No CDS ninguém acredita que Passos não o conhecia.
A biografia, publicada pela Alêtheia, editora de Zita Seabra, ex-deputada e ex-dirigente do PSD, foi apresentada ontem no Porto pelo comissário europeu Carlos Moedas. A autora é assessora do grupo parlamentar do PSD desde 2011. Entrou na era Passos, mas só conheceu o primeiro-ministro em pessoa quando, mais recentemente, lhe propôs escrever a sua biografia. O primeiro-ministro “demorou muito tempo a aceitar”, diz a assessora ao i, “mas quando deu consentimento, houve grande abertura”. Garante que Passos “não conheceu o produto final” e que “não sabia que o lançamento era agora”. Oprimeiro-ministro não esteve na apresentação, mas o livro já tinha sido amplamente noticiado nas últimas semanas.
Os primeiros capítulos dedicam–se ao percurso menos público de Passos, mas foram os últimos (dedicados à governação) que causaram polémica. OPresidente da República também não escapou, com Passos a acusá--lo de ter deixado o governo em “banho-maria durante 20 dias de estéril negociação com o PS cujo desfecho era absolutamente previsível”. De visita à Noruega, Cavaco respondeu assim: “Só escreverei as minhas memórias depois de 9 de Março de 2016 [altura em que termina o mandato em Belém].”