Já não há muitos cartões que se possam plastificar, mas os plastificadores dizem que não estão nesta profissão para enganar seja quem for. Os clientes já foram muitos, mas agora as bancas servem mais para dar informações a turistas do que para plastificar cartões. Numa manhã na Baixa lisboeta, só encontrámos dois – um deles em acção, com o papel autocolante e a guilhotina na mão.
Joaquim Rosa é plastificador há cerca de 25 anos e a sua banca tem morada certa na Rua do Amparo. “Isto partiu de uma brincadeira. Tinha um familiar com esta ocupação. Ele depois faleceu e, como eu achei este ofício muito engraçado, continuei”, explica.
Aprendeu com o familiar mas, aos 72 anos, não consegue encontrar ninguém a quem possa ensinar a arte da plastificação:“Não aparece ninguém a querer aprender. Os jovens não querem e os idosos estão reformados. É para descansarem”, conta com pesar. Quanto a clientes, Joaquim também não vê o futuro com bons olhos: “Já houve muitos clientes, agora não. Mas vai sempre aparecendo qualquer coisa.”
Por cada cartão plastificado cobra um euro e não há lugar para promoções: “O euro já é resvés! Isto é tudo muito caro… especialmente o material.” Oplastificador, um dos poucos que ainda resistem, encara o ofício como “um entretém que não dá para viver” e considera que “talvez este seja o motivo pelo qual as pessoas não se dedicam a isto”. Para Joaquim, é “uma ajuda para acrescentar à reforma de 300 euros”. Da sua banca de plastificação diz que nem outros 300 consegue para acrescentar à reforma. Não trabalha sábados nem domingos, mas garante que também não valia a pena: “São dias muito fracos.”
Antes de ser plastificador, trabalhava na indústria hoteleira. “Foi a profissão que eu escolhi e da qual gostei muito”, conta. Esses dias chegaram ao fim e deram lugar à banca. Com a plastificação, veio a fama:“Sou conhecido. Ainda há dias esteve aqui uma senhora que parou a olhar para mim. Depois acabou por dizer que me tinha visto na televisão, na Suíça. Há pessoas que filmam aqui a cidade e depois levam para outros países.” Mas a fama de Joaquim não se fica pela televisão. “Há também um livro editado com restaurantes, casas de fado e hotéis de Lisboa em que apareço na capa. Eu e a minha mesa na capa do livro!”, conta com entusiasmo. “Foram ingleses que fizeram o livro. Editaram e um dia vieram–mo oferecer. Tenho-o lá em casa.”
Mas o futuro “não é nenhum”. Diz que enquanto lhe apetecer ir e o “deixarem estar”, vai continuar fiel à sua banca. Mas a legislação também não está do lado de Joaquim: “Não há legislação para isto. Já tentei pedir, mas não passam licença. E também por isso vão deixando passar.”
Sente-se acarinhado pela população lisboeta, mas nota que cada vez mais a sua banca é um centro de informações da cidade: “Todo o dia me perguntam onde fica isto, onde fica aquilo, onde podem apanhar o comboio… e não me custa nada ajudar as pessoas”, diz, acrescentando que não saber falar inglês não se tem mostrado um problema: “Toda a gente se entende!”
Joaquim Rosa já tentou falar com “rapazes novos e que até estão desempregados” para continuarem esta arte, mas não tem tido sorte. “É um trabalho de utilidade pública. Se não fizermos isto, quem é que faz?”, questiona. “Quando deixar de se plastificar, as pessoas vão sentir falta. Por enquanto sabem que estou aqui e vêm de vários sítios ter comigo”, conclui.
Plastificador higino Está há 26 anos no Rossio. Quando perguntamos a idade a Higino Rebocho, o plastificador responde muito rapidamente:“Sou de 46, menina. Agora faça a conta.” Fizemos e concluímos que tem 68 ou 69 anos. Não perguntámos o mês.
Higino conta que aprendeu a profissão por “mera casualidade”. Antes de ser plastificador, trabalhou no Baixo Alentejo e até numa empresa na Alemanha. “Quando cheguei a Lisboa, vim vender a lotaria. Não deu nada”, revela. Diz que gosta do seu trabalho, mas faz uma ressalva: “Gosto por enquanto!”
A sua postura é sempre muito directa: “Não estou aqui para enganar ninguém, pelo amor de Deus”, garante. Conta que muitas vezes chegam à sua banca para plastificar um documento que não precisa de ser plastificado: “As pessoas chegam aqui e mostram o documento. Se for necessário, plastifico; se não, digo logo que não é preciso.”
Pela plastificação do cartão da ADSE, Higino cobra um euro. Pelo bilhete de identidade, a parada sobe um pouco: 1,20 euros. “Quando não dá para plastificar, digo às pessoas para fazerem uma cópia e para depois voltarem cá”, conta, revelando que vai manter-se nesta profissão porque “gosta de estar no Rossio”, mas também porque é a única fonte de rendimento na sua casa: “Sou só eu quem trabalha. Aqui na plastificação e mais nada. A patroa já não trabalha.”
“A minha vida está um pouco difícil”, confessa: “Tenho uma reforma de 360 euros, mas já veio e já abalou. Ao fim do mês não ganho aqui um bom dinheirinho, mas preciso de aqui estar pela situação da minha vida”, acrescenta. Higino Rebocho só tem uma certeza: “A vida não é como a gente quer, é como ela corre. Vou andando com a minha mulher.” Vai com a mão ao bolso do casaco. Faz questão de tirar uma fotografia dela para mostrar. “A minha patroa é quem eu mais estimo. Estou aqui por nós, nas situações boas e nas ruins.”
Quando lhe perguntamos quanto tempo mais vai ficar no lugar do costume com a sua banca de plastificação, Higino diz que “depende”: “Procuro sempre ter para viver”, responde. Daqui a 20 anos, pensa que será muito difícil encontrar alguém com a profissão que tem hoje em dia:“Eu gosto de trabalhar nisto, mas não sei se alguém quer ser plastificador. Depende muito da mentalidade de cada um”, remata.