Burros e artes. Burricadas na costa vicentina


Quanto mais tarde, mais quente, mais insectos e burros menos animados. Ao meio-dia já é a hora da soneca deles.” Sofia von Mentzingen alerta-nos por mensagem para o estado de espírito dos burros à hora do calor. “Burros menos animados” é o que não queremos e por isso tentamos chegar mais cedo. Ainda assim, animação…


Quanto mais tarde, mais quente, mais insectos e burros menos animados. Ao meio-dia já é a hora da soneca deles.” Sofia von Mentzingen alerta-nos por mensagem para o estado de espírito dos burros à hora do calor. “Burros menos animados” é o que não queremos e por isso tentamos chegar mais cedo. Ainda assim, animação não é a palavra de ordem entre os 12 burros da quinta. Em Aljezur, o Verão parece já ter começado há algum tempo e os burros do Sítio dos Burros, no vale das Amoreiras, parecem estar desmaiados ao sol. Pelos vistos estamos em plena “hora da soneca”.

Ainda assim, Sofia, de 48 anos, uma alemã a viver em Portugal há dez anos, vai buscar dois deles para tentar reanimá- -los com um passeio pelas sombras das redondezas. Flor e Luna, mãe e filha, estão habituadas a passear juntas – por isso não convém separá-las – e serão a nossa companhia do dia durante a visita ao Burros e Artes.

É este o nome do projecto criado em 2009 por Sofia e pela amiga Elsa Ribeiro, dedicado a “passeios pedestres, animação ambiental e interacção com a região [a costa vicentina], tudo e sempre na companhia de burros”, explica-se no site. “Eu sou a dos burros e a Elsa é a das artes”, acrescenta Sofia num português quase perfeito, apesar do sotaque.

Antes de se dedicar inteiramente aos burros, Sofia teve vários trabalhos, um deles como “professora de português para estrangeiros”, outro como “enfermeira pediatra”, apesar de ter exercido pouco a profissão. Também foi guia turística na costa vicentina, trabalhou em vários restaurantes e na sua terra natal, Colónia, na Alemanha, era “gestora cultural”.

Há 17 anos que os pais de Sofia moravam em Portugal e a sua vida acabou por mudar quando a mãe viu um anúncio de venda de burros num supermercado de Aljezur. “Na altura não gostei nada da ideia [de comprar burros] porque ela já tem quase 80 anos e sabia que não ia tratar deles”, conta Sofia. “Mas ela teve um burro de estimação quando era pequena, sempre se lembrou dele com muito carinho, e quando viu o anúncio comprou dois.”

Claro que sobrou para Sofia, mas a alemã não parece ter-se importado com isso. Pelo contrário. “Nunca na vida pensei em fazer coisas com burros”, confessa. Hoje passa os dias a cuidar deles e a prepará-los para os passeios com estrangeiros – e também portugueses, mas mais nos meses de Verão.

Cabeleireiro Antes das caminhadas, que chegam a durar dez dias, há que preparar os burros para o trajecto. É preciso escová-los – e ficar envolto em pó, já que adoram rebolar na areia e as camadas de pó vão-se libertando nessas sessões de cabeleireiro -, é preciso limpar os cascos e apetrechá-los com rédeas e albardas. “Temos um limite de 30 quilos para os nossos burros”, diz Sofia. “Para nós o burro não é para montar, mas para carregar as bagagens para não irem às costas. Só as crianças é que podem montá-los.”

Antes de partirmos num passeio pelo vale das Amoreiras – os passeios curtos também costumam incluir uma visita à praia mais próxima, a da Amoreira -, um casal de franceses chega de uma viagem de alguns dias com o filho Diego, de dois anos, montado em Jeco, o burro mais idoso da quinta. “O burro foi óptimo para socializar, toda a gente se meteu connosco no caminho”, dizem.

Harley-Davidson Flor e Luna, as nossas companheiras do dia, estão prontas a partir. Uma delas carrega dois cestos onde pomos as águas, outra, mais radical, leva uma mala com o logótipo da Harley-Davidson. “É uma mala para motas mas comprei-a num leilão a uns amigos da Holanda que já não precisavam”, conta Sofia.

O passeio que damos é curto e não há grandes peripécias pelo caminho. Há alguns truques para “animar” os burros – uma cenoura aqui e ali nunca fez mal a ninguém – e outros para que nos obedeçam. “Há algumas regras básicas, como dar espaço atrás do burro”, explica Sofia. “Ou ir falando com ele para ele ir ouvindo a nossa voz e ficar calmo e relaxado. O burro é muito descontraído e isso é contagiante, nós acabamos também por relaxar.” Verdade, e no fim do passeio parece que estamos anestesiados. No bom sentido.

Caladinho Outro dos conselhos importantes é não deixar que o burro esteja sempre a comer, principalmente nos meses de Primavera, quando há muita pastagem – provavelmente ainda estaríamos no campo se não tivéssemos forçado Luna e Flor a seguir caminho. “Não podemos deixar que eles parem, se não nunca chegamos ao fim do passeio. Eles aguentam duas horas sem comer e o ideal é pararem só quando nós paramos.”

Alugar um burro por um dia custa 160 euros, com guia incluído. Para quem quiser experimentar ir sozinho com o burro (curiosamente até agora nenhum português ousou aventurar-se sem guia), sai mais barato, 65 euros. Os passeios mais curtos, de hora e meia, ficam a 30 euros com guia e burro, 45 euros com guia e dois burros. Quem preferir as artes aos burros – atenção que o sítio chama-se Burros e Artes – há oficinas de olaria e workshops de artesanato.

Desde 2009 que nunca houve nenhum incidente com um burro. “Só uma vez é que um deles desapareceu antes de um passeio. Mas depois encontrámo-lo numa casa, dentro da vedação. O burro entrou, fechou a porta e ficou lá caladinho.”