Dia Mundial dos Oceanos: avancemos um metro!


Ex.ma Senhora Arlete Soeiro3.a Subsecretária da Secretária-AdjuntaPrograma de Auxílio aos Povos Indolentes e FalidosGabinete do secretário-geral Ban Ky-moon, Sede da ONUNova Iorque, EUA Dr.a Arlete, É já na próxima segunda-feira e o país, ao que me dizem, fervilha de iniciativas. O Dia Mundial dos Oceanos comove os portugueses. Produz euforias, reminiscências, memórias e glórias que…


Ex.ma Senhora Arlete Soeiro
3.a Subsecretária da Secretária-Adjunta
Programa de Auxílio aos Povos Indolentes e Falidos
Gabinete do secretário-geral Ban Ky-moon, Sede da ONU
Nova Iorque, EUA

Dr.a Arlete,

É já na próxima segunda-feira e o país, ao que me dizem, fervilha de iniciativas. O Dia Mundial dos Oceanos comove os portugueses. Produz euforias, reminiscências, memórias e glórias que nunca conheceram, mas sabem de ciência certa já terem sido suas.

Diante do Atlântico, os portugueses entram em transe contraditório: incha-lhes o peito e enjoam. Os pulmões crescem-lhes com a ideia de que foram os primeiros a navegá-lo em todas as direcções. O estômago revolta-se-lhes ao recordarem a única viagem de cacilheiro feita em vida.

Entre inspirações profundas e vómitos incontroláveis, salva-se a praia! Lugar propício a fruições amáveis do oceano, mas que os portugueses transformaram em local de intensa relação com a areia. Claro, o mar está lá enquanto cenário e como sítio onde os portugueses molham o pé. Os mais afoitos conseguem encher nele os baldes das criancinhas (os mais medrosos trazem-nos cheios de casa com água da torneira!). Os heróis do dia, os verdadeiramente intrépidos, adiantam-se dois metros mar adentro e fingem nadar apesar dos apitos alvoraçados de uns jovens tisnados vestidos com T-shirts garridas. Entre apitos, correrias e salpicos molham-se uns e tiritam outros, viram-se baldes e perdem-se bóias, berram as criancinhas e as mamãs com elas. É a praia em Portugal – das 10h00 às 19h00, todos os dias de 1 de Junho a 30 de Setembro, ininterruptamente. Espectáculo vendido com enorme sucesso por todo o mundo, sobretudo em Londres, onde por estes dias me encontro.

Por aqui ninguém fala do Dia Mundial dos Oceanos. O que é natural. Os ingleses nunca fizeram nada de relevante no mar. Quando muito, dedicaram-se à pirataria, roubando pimenta às caravelas portuguesas e ouro às naus espanholas. Piranhas! Com tão desgraçada memória, como celebrar os mares? Sobrepondo a estas patifarias vitórias navais passadas? Qual o quê! Toda a gente sabe que a excursão às Malvinas foi subsidiada pelos amigos árabes da Thatcher e teleguiada pelas Américas. Por outro lado, é preciso dizê-lo com toda a frontalidade, os britânicos são um povo de rio. Atesta-o a importância desmesurada que conferem à regata Oxford-Cambridge. Os rapazes das tripulações são esforçados, mas tá visto que nunca passariam além da Taprobana a remar! Súbditos de Sua Majestade: deixai o mar para nós, que ele é coisa séria, e continuai, rio acima, rio abaixo, a treinar no remo. Se ficarem com muitas saudades do mar, já sabem: há voos charter baratos para as nossas praias!

Seguem instruções para comemorações dignas do Dia Mundial dos Oceanos em Portugal:

1. Espalhar por todos os mupis do país, muralhas de castelos e janelas da Maluda, um cartaz em que a cara sorridente do Passos substitui a do Garrett McNamara a surfar a onda de Peniche. Legenda: “Comigo o país avançou um metro!” Assim se contrariará a ideia de que a relação dos portugueses com os oceanos termina abruptamente cinco metros depois de ter começado. Isto quando a maré está vazia… Quando cheia, dizer três metros já será exagero!

2. Combater por todos os meios a ideia de que o país se afunda no Atlântico desde a vinda de uns submarinos teutónicos, desprovidos de portas e sempre a meter água, só se salvando aqueles que saltaram para o pequeníssimo bote “Protetorado”, providencialmente atracado no cais das colunas.

3. Garantir que Cavaco e Silva e Marinho Pinto aparecem em público, juntos e logo pela manhã. Cavaco de chapéu à infante D. Henrique, modelo “Painéis de São Vicente”. Marinho de leggings, modelo D. Sebastião pintado por Cristóvão de Morais.

Inclino-me e retiro-me,
Ricardo Barata de Leão

ricardobarataleao@gmail.com