E num instante tudo muda. Ou vai mudar na banca portuguesa. Ontem, o Banco Comercial Português e o BPI admitiram, pela primeira vez, recorrer à linha de recapitalização de 12 mil milhões de euros disponibilizada pela troika no âmbito do programa de assistência financeira a Portugal. Isto significa que, a concretizar-se o recurso à ajuda pública, os bancos vão ter o Estado como accionista, ou seja, Carlos Santos Ferreira e Fernando Ülrich vão presidir a bancos parcial e temporariamente nacionalizados. Já o BES não prevê recorrer à linha da troika.
O accionista Estado promete “ser silencioso”, mas a sua “interferência” acabará por ser visível. O primeiro-ministro já garantiu que o “Estado será um agente passivo, o que não quer dizer que não transporte recomendações”, como “a não distribuição de dividendos e o não pagamento de bónus”.
Depois de vários meses a repetir que o recurso à linha de apoio da troika só seria usado em última instância, os banqueiros sentem-se agora forçados a mudar o discurso, ao assumirem que as medidas tomadas pelos líderes europeus na quarta-feira precipitam a entrada do Estado no capital dos bancos.
Os actuais accionistas dos bancos são os grandes penalizados, enquanto os depositantes são os mais beneficiados, já que uma maior solidez das instituições é sinónimo de maior segurança para os depósitos.
Para os contribuintes este apoio ao sector bancário não é uma boa notícia. O memorando da troika prevê que Portugal só pague juros sobre a linha de 12 mil milhões disponível para a banca, caso esta venha a ser accionada. Passos Coelho reconheceu recentemente que os 12 mil milhões “são em todo o caso, dinheiro público, é dinheiro que o Estado terá de pagar e, portanto, será dinheiro dos contribuintes”.
O cenário de nacionalizações na banca não será um exclusivo português. De acordo com as contas da Autoridade Bancária Europeia (EBA), Portugal é o quinto país a precisar de mais capital para cumprir as novas exigências (7,8 mil milhões de euros em oito meses). Segundo os cálculos da EBA, os bancos gregos precisam de 30 mil milhões de euros. O primeiro-ministro grego, George Papandreou, confirmou que o governo irá nacionalizar parcialmente alguns bancos gregos.
No ranking de países com maiores insuficiências de capitais, segue-se a Espanha (26,1 mil milhões), Itália (14,7 mil milhões) e França (8,8 mil milhões). No total, a banca europeia precisa de 106 mil milhões de euros.
BES rejeita e CGD não tem acesso O BES iniciou ontem a época de apresentação de resultados na banca. Obanco de Ricardo Salgado, até Setembro, viu os lucros recuar 66% para 137,8 milhões de euros, enquanto no trimestre de Julho a Setembro registou perdas de 18,2 milhões de euros. As contas foram penalizadas pelo reforço de provisões (no total de 660,7 milhões), “consequência da degradação dos riscos actuais e previsíveis decorrentes do agravamento da situação económica”. Na conferência de imprensa, Ricardo Salgado reiterou que o BES procurará não recorrer à linha de recapitalização do Estado. Para já, o BES tem um rácio de capital [core tier 1] de 8,1%, abaixo das metas da troika.
A Caixa Geral de Depósitos está impedida de recorrer à linha da troika mas a sua “recapitalização será resolvida entre o banco e o seu accionista, o Estado”, garantiu ontem o ministro das Finanças Vítor Gaspar. O banco estatal precisa de 2,2 mil milhões de euros, pelo que além da venda de activos deverá ser alvo de um aumento de capital, através da injecção de dinheiro directa do Estado.
Sem dividendos e sem bónus Além de ter chegado a acordo para uma desvalorização voluntária da dívida grega em 50% e a ampliação do FEEF para um bilião, os líderes europeus aprovaram um pacote de medidas para o sector bancário. O objectivo é restabelecer a confiança no sector, “assegurando o financiamento a médio prazo, de modo a salvaguardar o fluxo de crédito para a economia real”, lê-se na decisão da Cimeira Europeia.
Os líderes querem que os bancos devam, em primeiro lugar, utilizar fontes de capital próprias, nomeadamente através da restruturação e conversão da dívida em títulos de capital, uma operação já realizada pelo BCP e a decorrer no BES.
A política de prémios e dividendos também sofreu limitações: “Até ser atingido o objectivo [9% de core tier 1], os bancos devem ficar sujeitos a restrições no que respeita à distribuição de dividendos e ao pagamento de bónus.”