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Estudantes de Ciências têm hábitos mais saudáveis do que os de Letras

Estudantes de Ciências têm hábitos mais saudáveis do que os de Letras

24/09/2013 00:00
Estudantes de ciências têm hábitos mais saudáveis. Diferenças sociais pesam na prática desportiva e alimentação

Têm uma alimentação mais saudável, maior preocupação com o peso, fazem mais desporto e são menos ansiosos. Num estudo inédito sobre consumos e estilos de vida no ensino superior, divulgado ontem em Lisboa, um grupo destacava-se por ter hábitos saudáveis, que também dominam mais nas mulheres do que nos homens. O inquérito incidiu sobre os estudantes das varias escolas da Universidade de Lisboa, apanhando uma fatia de quase 10% dos alunos (3327). Quase metade (46,7%), voz maioritária, sente que ficou menos saudável depois de ir para a faculdade. Pela primeira vez, há dados concretos sobre a população universitária sobre temas como alimentação, álcool e drogas. Uma das conclusões mais preocupantes é que a incidência do consumo problemático de álcool e de canábis é superior ao que estava calculado em inquéritos anteriores.

O estudo surge no âmbito do projecto ComSUMOS Académicos, que junta desde 2010 associações académicas, o Conselho Nacional da Juventude, o Observatório Permanente da Juventude do Instituto de Ciências Sociais (ICS) e o agora Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências. Raul Melo, do SICAD, fez os destaques sobre consumos depois de o director do organismo, João Goulão, sublinhar que esta era uma peça que faltava no puzzle da prevenção.

Quase um em cada dez alunos revelou ter estado pelo menos uma vez embriagado nos 30 dias anterior ao inquérito, que decorreu no fim de 2012, e mais de um terço (37%) teve uma ocasião em que bebeu mais de cinco bebidas seguidas. Pensava-se que o chamado "binge drinking" só seria habitual em 18% dos jovens nestas faixas etárias e poderá ser afinal o dobro. Por outro lado, também um em cada dez estudantes disse consumir canábis mensalmente quando se apontava para uma incidência de 3%. Há ainda outras percepções novas: os jovens valorizam como muito prejudiciais o consumo regular de tabaco, álcool e de "smart drugs" mas desvalorizam os riscos de tomar medicação sem receita médica, o consumo de marijuana e a condução sob efeito de álcool. Mais de um em dez (15%) considerou nada ou pouco prejudicial pegar no carro depois de beber três cervejas e um quarto considera inofensivo fumar canábis.

SURPRESAS O inquérito traça um retrato dos estudantes, de hábitos de alimentação a percepção do bem-estar físico e emocional. Para Vítor Sérgio Ferreira, investigador do ICS e co-autor, foi uma surpresa perceber que apesar da maioria dos jovens se considerarem saudáveis, uma grande percentagem diz que a entrada na faculdade tem um efeito negativo. Por outro lado, destaca, não estavam à espera de um peso tão grande para alguns indicadores de mal-estar psicológico. Nos três meses anteriores ao estudo, três em cada dez sentiram-se muitas vezes ansiosos e em stress e um quarto admitiu dificuldades de concentração. Encontraram também um número "substancial" de pessoas que se sentem tristes, deprimidas e até sós, com cerca de um em cada dez alunos a reportarem este estado como frequente, sobretudo os que participam menos nas actividades académicas ou cívicas e têm como principais hábitos a leitura ou pintura. O mal estar emocional parece ser mais comum nos alunos de artes e letras, com mais de dois terços (70,7%) a responderem que têm sintomas psicológicos negativos muitas vezes, percentagem que desce para 35% nas restantes áreas.

O trabalho demonstra ainda que há contextos sociais que parecem ser determinantes do estilo de vida. Ferreira exemplifica que isso foi evidente em matéria de hábitos alimentares, o que reforça a necessidade de políticas sociais. Os estudantes com atitude mais positiva sobre a alimentação são os mais novos, os que vivem com família ou que têm com pais com educação superior. Defende que isso revela uma maior vulnerabilidade de alunos deslocados ou de meios desfavorecidos. São estes, por exemplo, que saltam mais refeições, o que é uma noção que entende ser importante na hora de pensar políticas públicas mesmo num contexto de crise. "Este ano tivemos uma cantina que fechou em Lisboa por falta de verbas", lamenta. Da mesma forma, a constatação de que só 39,7% dos alunos pratica alguma actividade física leva a questionar se estarão em vigor as medidas certas. Jovens com famílias com empregos melhor remunerados ou educação superior fazem mais desporto e "actualmente com o cartão de estudante só se pode praticar algumas modalidades no estádio universitário fora das horas de ponta", alerta.

Rute Borrego, coordenadora do estudo da parte do Conselho Nacional da Juventude, explicou ao i que o objectivo foi fazer um primeiro inquérito piloto à população universitária, que permita identificar necessidades de intervenção, mas também testar metodologia. Nesta primeira fase, o trabalho centrou-se na Universidade de Lisboa e teve o envolvimento pro bono de uma equipa de oito investigadores. Para o futuro, além de conseguir uma periodicidade de inquéritos a cada quatro anos, como nos inquéritos do ensino obrigatório, o desafio é estender o projecto a todas as cidades universitárias do país. Para a responsável, são muitos os impactos que se pode começar desde já a pensar. Do lado das associações académicas, sublinhou, existe a vontade de fazer mais campanhas de prevenção e até de trabalhar na promoção de saúde junto de alunos mais jovens. Por outro lado, nas faculdades, uma das ideias será aumentar, por exemplo, espaços para estudantes que querem levar refeições de casa, à semelhança do que se faz em alguns locais de trabalho. "Hoje os espaços que temos são reduzidos", diz. Acima de tudo, sublinhou, importam políticas intersectoriais. A visão do CNJ é que não se pretende lançar uma "caça às bruxas" dos hábitos do estudantes, mas ter informação concreta para intervir melhor. Na apresentação, representantes das associações académicas envolvidas no projecto ajudaram com algum contexto. As situações são conhecidas, mas existe também a percepção de que a lei está cada vez menos apertada e o consumo é incentivado: uma cerveja custa 50 cêntimos e uma garrafa de água um euro. Ainda assim, reiteraram o compromisso para promover hábitos saudáveis e mais actividade desportivo.

Leal da Costa, Secretário de Estado da Saúde, sublinhou no final da apresentação do estudo que é preciso prevenir mais, mostrando preocupação com indicadores psicológico ou relações desprotegidas. Disse também ser preciso perceber o que pesa nos consumos menos saudáveis: se os desafios académicos ou escolhas erradas. Emídio Guerreiro, Secretário do Estado do Desporto, considerou que há alguma confusão nas percepções dos jovens: "comem mal, bebem muito, fumam muito, não fazem desporto mas têm uma saúde de ferro", disse. Anunciou, contudo, que no próximo ano haverá um plano nacional de desporto dirigido a toda a população.

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