A remuneração média base em Portugal está cada vez mais próxima do salário mínimo nacional (SMN). O alerta é de Eugénio Rosa ao considerar que nos estamos a transformar num ‘país de salários mínimos’. De acordo com o economista, é «urgente tomar medidas» para reter os trabalhadores portugueses no mercado nacional, evitando assim «a enorme emigração dos mais qualificados, cerca de 50 mil por ano».
De acordo com as contas de Eugénio Rosa, em 2022, a percentagem do salário mínimo nacional em relação rendimento mediano correspondia a 86,4%, segundo as contas do Ministério do Trabalho. Uma situação que, diz, tem-se agravado nos anos seguintes: 88,5%, em 2023, e 85,3%, em 2024 (ver tabela) e que deverá manter-se este ano.
«Com esta política de rendimentos, de manutenção e generalização de baixíssimos rendimentos para trabalhadores e para a maioria da população é impossível um crescimento económico sustentado e elevado e desenvolver o país», salienta, acrescentando que «esta política só pode promover a emigração dos trabalhadores mais qualificados e na idade mais produtiva indo criar riqueza em outros países».
Também João César das Neves admite ao Nascer do Sol que há muitos anos que o ordenado mínimo sobe mais do que o salário médio, o que o leva a tecer duras críticas pelo caminho que tem sido seguido. «O salário mínimo devia ser um parâmetro estrutural da economia, mas desde que passou a ser um instrumento de política, todo o leque salarial ficou desequilibrado». E aponta o dedo: «Este instrumento é demagógico, porque são as empresas e não o Estado que paga o salário mínimo, o Estado finge que melhora a vida dos trabalhadores sem gastar um tostão. A única forma de resolver isto seria evitar a demagogia e considerar a realidade do mercado de trabalho. Mas desde 2005 quase todos os governos caíram na mesma armadilha».
Uma situação que, segundo o economista, leva a uma «política artificial», levando ao estrangulamento de muitas empresas e, com isso, «promovemos uma economia de baixa produtividade e salários baixos. Isso ainda incentiva a referida demagogia».
Já Paulo Monteiro Rosa, economista do banco Carregosa lembra que o salário mínimo nacional tem acompanhado o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nominal ao longo dos últimos anos, referindo que, desde 1990, o PIB nominal multiplicou por cinco, enquanto o SMN aumentou cerca de 4,7 vezes, um crescimento muito próximo ao do PIB. Mas faz uma ressalva: «Ao observarmos o impacto dos salários no PIB vemos uma tendência de redução do peso dos salários na economia. Apesar do crescimento do SMN e do PIB nominal, a participação dos salários no PIB tem vindo a diminuir, o que significa que, embora o salário mínimo tenha acompanhado a expansão da economia, a diferença entre o salário médio e o salário mínimo tem vindo a reduzir-se. Este fenómeno indica que, de facto, a compressão da estrutura salarial tem sido uma realidade em Portugal, com o salário médio a aproximar-se do mínimo de forma gradual».
E dá uma explicação para este ‘esmagamento’: «Este fenómeno pode ser explicado por três fatores principais. Em primeiro lugar, a política de valorização sustentada do salário mínimo, com um papel importante na mitigação da pobreza laboral. Em segundo, a estagnação salarial em muitos setores de baixa qualificação, onde o crescimento da remuneração tem sido modesto. Por fim, a própria estrutura do emprego, com um peso crescente de setores como os serviços, a agricultura ou o turismo, contribui para uma média salarial mais baixa».
O economista admite, no entanto, que a compressão da estrutura salarial levanta preocupações, nomeadamente pela redução dos incentivos à qualificação, o bloqueio da mobilidade social e o impacto negativo na produtividade. E para inverter esta tendência acredita que é necessário adotar medidas estruturais, como investir em formação e requalificação, especialmente em competências técnicas e digitais, promover a produtividade nas PME através da inovação e internacionalização e rever a fiscalidade sobre o trabalho para aliviar a carga de impostos sobre os rendimentos médios.
Ainda assim, chama a atenção para o facto de o aumento do salário mínimo ser um esforço para reduzir a pobreza laboral e para melhorar as condições de vida. Mas não só. Por outro lado, «a estagnação salarial em alguns setores e a falta de crescimento mais rápido do salário médio geram desigualdade. Para contrariar essa tendência, é necessário fomentar a valorização dos salários em todos os setores da economia, com foco em qualificação, inovação e aumento da produtividade».
E a Europa?
De acordo com os últimos dados do Eurostat, o salário mínimo em Portugal ronda os 1.015 euros, uma vez que o valor é pago em 14 prestações – subsídio de férias e de Natal – ao contrário da maioria dos países que paga em 12 meses, colocando o nosso país em 11.º lugar no ranking.
O Luxemburgo surge como o país com o salário mínimo mais alto na União Europeia, 2.638 euros por mês. No lado oposto está a Bulgária, com um salário mínimo de 551 euros, o mais baixo do espaço europeu.
O Eurostat coloca assim Portugal no grupo intermédio dos salários mínimos europeus, que varia de 1 000 euros no Chipre a 1 323 em Espanha (em vigor em 1 de julho de 2024).O grupo também inclui a Eslovénia, a Lituânia, Chipre e Polónia.
A taxa de crescimento médio do salário mínimo em janeiro de 2025 foi mais acentuada na Roménia (+14,1 %), Lituânia (+13,2 %), Bulgária (+11,6 %) e Polónia (+10,3 %). Portugal está fora do top 4.
Em relação à disparidade entre o salário mínimo e o poder de compra, Portugal desce para 13.º lugar, com a Alemanha em primeiro e a Estónia em último.
No entender de César das Neves, Portugal continua a ter na Europa uma das sociedades com leis laborais mais disfuncionais. «O drama é que as principais vítimas são os próprios trabalhadores, sobretudo os mais pobres. Ao fim de 50 anos desta estratégia os resultados são evidentes».
E o economista acrescenta: «Nos outros países da União, onde os trabalhadores não gozam dos alegados direitos portugueses, as condições reais dos trabalhadores são realmente muito melhores. Mas continuamos a insistir na mesma linha errada».
Também Paulo Monteiro Rosa admite que, quando comparado com outros países da União Europeia, Portugal apresenta um salário mínimo mais baixo e um crescimento salarial mais modesto. «A economia portuguesa depende de setores com salários baixos, como o turismo e a agricultura, enquanto países como os da Escandinávia – Suécia, Dinamarca e Noruega – e a Alemanha têm economias mais diversificadas e com maior valor agregado, o que contribui para salários mais elevados e maior estabilidade económica. Além disso, as disparidades regionais em Portugal são acentuadas, sobretudo entre o litoral e o interior», referindo ainda que «a falta de qualificação e baixa produtividade também são desafios em relação a países com mais investimento em educação e inovação. Para melhorar, é necessário focar na qualificação, inovação e valorização dos salários médios».